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Publicado: Quarta-feira, 28 de julho de 2010

Meu filho Abel

Pablo entrou na sala sobraçando uma enorme caixa cheia de bugigangas.
- Acho que desta vez estou levando o resto. Não vou importuná-la mais.

Fazia mais de um ano que haviam se separado, mas Pablo foi levando aos poucos os seus pertences. Era como se lhe custasse terminar tudo, cortar as últimas amarras.

Laís o fitava impassível, sofrera muito, mas agora tudo o que sentia era o leve dolorido que o tempo não anula nas cicatrizes muito profundas.

Pablo tinha suas qualidades, Era alegre, generoso, carinhoso, etc., mas tinha um grave defeito, era mulherengo e volta e meia dava suas escapadas.

Algumas vezes, Laís nem ficava sabendo, mas outras, ela descobria e brigava com ele.

Ficavam uns dias amuados, mas depois faziam as pazes com direito a presentes, fins de semana em hotel de luxo, nova lua de mel.

E o tempo ia passando.

Laís, muito embora abominasse o comportamento do marido, não queria deixá-lo, mas, um dia ela soube que ele tinha montado um apartamento para a outra e, quando já se armava para a briga costumeira, ele disse simplesmente que estava apaixonado pela tal de Michele e queria a separação.

E agora estava levando o que ainda ficara dele na casa que, desde então, era só dela.
- Me desculpe por ter demorado tanto para levar minhas tralhas, mas é que estou morando em um quartinho muito pequeno e está difícil de acomodar tudo.

- Quartinho pequeno? E a Michele?

- Ah! Não deu certo. Separamos, ela ficou com o apartamento e eu fui para o meu quartinho solitário.

- Solitário, você? Como se eu não o conhecesse!

- Estou mudado, acredite!

Laís sacudiu o ombro fingindo indiferença (Pablo ainda mexia muito com ela)
- Acredito, mas não tenho nada com isso.

- E você, não acha esta casa muito grande? Por que não vai para um apartamento menor?

- Eu até pensei nisso, mas agora, mais do que nunca prefiro uma casa grande, com quintal, pois... Vou ter um filho

- Um filho?

- Sim. Vai chamar-se Abel. Gosta do nome?

- Pablo ficou furioso. Laís nunca o vira assim e divertia-se com a situação. Ele a ferira tanto que bem que merecia uma picadinha.

- Acho que você não tem nada com isso. Nem precisava ter-lhe contado.

- Realmente, não tenho nada a ver com o que você anda fazendo. O que me revolta é que você me fez pensar sempre que não podia ter filhos e agora me aparece com um filho de outro homem.

- Sim, vou ter um filho de outro homem e... outra mulher.

- Vou adotá-lo. A mãe me deu antes dele nascer.

- Estou me divertindo muito com a compra do enxoval e a arrumação do quartinho dele.

Pablo estava perplexo entre surpreso e envergonhado de seu arrebatamento.

Um filho adotivo! Como nunca haviam pensado nisso quando estavam juntos? Queriam tanto um filho! Se o tivessem, tudo poderia ter sido diferente.

De repente, se deu conta de que o que queria mesmo era poder voltar no tempo, ser um bom marido para a única mulher que realmente amava e criarem juntos o filho do coração.
- Nem sei o que dizer! Você vai permitir que eu o conheça? Que lhe ensine a jogar bola, que tenha “aquela” conversa de homem para homem quando ele for adolescente? Você sabe como é. Um garoto precisa de uma figura masculina por perto...

Laís continha a custo a emoção e foi com a voz embargada que lhe respondeu::
- Claro que pode desde que não lhe dê maus exemplos.

- E... Será que posso ensinar-lhe a me chamar de Pai?

Laís agora falava sério fingindo brincar:
- Acho melhor você trazer de volta as suas tralhas e se acomodar por aqui porque o Abel vai precisar de um pai em tempo integral.

- No quarto de hospedes?

- Nada disso. No nosso quarto. Você precisa me ajudar a cuidar dele de madrugada...
- Só por isso?

- Claro que não, seu bobo!

Meio constrangida mudou de assunto:
- Você não me disse se gostou do nome, Abel. Se quiser ainda está em tempo de mudar.

- Não! Abel é o nome mais bonito deste mundo.

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