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Publicado: Segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Magia em todos os tempos

O que perde o ser humano quando se torna adulto? O contrário do que ganha: conhecimentos práticos para conduzir o próprio barco, mapas, instrumentos de navegação e, para alguns poucos, alguma dose de intuição. O adulto lida com o que entende como realidade, o concreto e palpável. Deixou na infância a imaginação redentora e o poder de retirar da fantasia as respostas às suas necessidades.

Para o poeta modernista, dramaturgo e crítico literário norte-americano Thomas Stearns Eliot (1888-1965), "a humanidade não suporta muito a realidade", em seu sentido concreto. Já a filosofia considera como real tudo o que existe, perceptível ou não, dentro ou fora da mente. A ilusão e a imaginação existem intra-mentis e, portanto, são reais. Alimentar os sonhos e as fantasias infantis através de histórias mágicas é, certamente, uma maneira de garantir um arcabouço para o futuro.

Engana-se quem acredita que os embates travados entre super-heróis, fadas, bruxas e gnomos são coisas de criança. Os mitos e símbolos encontram lugar garantido na vida dos adultos, que neles se consolam. No século 21 a magia é dissimulada em mil pequenos atos da vida privada, como a conservação de fetiches, amuletos, fotos, imagens protetoras, ritos de superstição, horóscopos, números e dias fastos ou nefastos.
Também a fé religiosa é uma força profunda que permite suportar e combater as agruras da vida, fornecendo segurança, confiança e esperança ao espírito humano. Videntes e feiticeiros trazem respostas às interrogações angustiadas que surgem de todas as partes e socorro às colheitas e às carreiras em risco dos políticos, homens de negócio, atores, empresários e gente comum.

A magia sempre existiu e continua fazendo parte do inconsciente coletivo. Há 27 mil anos, no período Paleolítico, era o pensamento mágico que explicava o mundo. O homem pré-histórico percebia os fenômenos sonoros unidos às suas imagens. "Via" os sons das águas, dos galhos de árvores movidos pelo vento, do andar dos bichos, do ribombar das tempestades e do rolar das pedras. A partir desse universo acústico, um conjunto de símbolos sonoros foi criado, na tentativa de reproduzir os eventos naturais. O resultado foi o surgimento da linguagem que pode expressar ideias que, uma vez grafadas, plantaram a semente da escrita.

O primeiro livro de magia conhecido é a epopeia mítica de Gilgamesh, que remonta a época dos sumérios, há mais de cinco mil anos. As doze tabuinhas de argila gravadas em escrita cuneiforme e que contam sua história, pertenceram à fabulosa biblioteca do rei assírio Assurbanipal. Gilgamesh, rei de Ur, é considerado o mais antigo herói humano. Ele encarna as principais questões da existência - a brevidade da vida e a busca da imortalidade.

Representados por príncipes, fadas, monstros, lobos e bruxas apavorantes, os contos de fadas encantam as crianças desde a sua criação, na Idade Média. Eles transmitem valores e costumes e ajudam a elaborar a própria vida, por meio de situações conflitantes e fantásticas. Para Carl Gustav Jung, psicanalista e discípulo de Freud, os mitos e contos de fadas expressam os problemas e ansiedades infantis, como a necessidade de amor, o medo, o desamparo, a rejeição e a morte. Mais do que isso, eles contribuem para superá-los e recuperar a harmonia da existência.

Atualmente novos valores aportaram na vida dos jovens e adultos, como possuir o tênis e as roupas de grife, a boca da moda ou os musculosos corpos saídos das academias. No fundo tudo é fantasia - de poder, força e prestígio. Num passe de mágica é possível transformar o anônimo no ator ou atriz de sucesso por contar com os mesmos atributos físicos, usar os mesmos óculos escuros, vestimentas e cortes de cabelos. É a magia atuando disfarçada. É a Gata Borralheira transformando-se em Cinderela.

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