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Publicado: Domingo, 21 de setembro de 2014

Itu: Colapso das Águas

Itu: Colapso das Águas

Calamidade pública não é apenas a falta de água, em Itu/SP. É o vergonhoso atestado de incompetência dos seus governantes – do passado e do presente – que continuam “empurrando com a barriga” os problemas de abastecimento da cidade, a celeridade e os investimentos indispensáveis para atender ao crescimento anual, recentemente anunciado em 4,5%.

Mais de duzentos anos se passaram dos registros existentes sobre uma grande seca ocorrida em 1788, que durou seis meses. O historiador Francisco Nardy Filho também relatou que em 1800, a cidade crescia e a escassez de água se tornava frequente, sempre relacionada à baixa pluviosidade. Em 1900, Itu era notícia no jornal O Estado de São Paulo, devido aos efeitos da falta d’água.

Ninguém mais acredita que o flagelo das torneiras secas se deva aos períodos de estiagem, já que diversas cidades da região não são penalizadas, como demonstra o estudo do geógrafo ituano Murilo Rogério Rodrigues.

Caiu em desuso a antiga prática de ilustres ou beneméritos ituanos, de tirarem dos próprios bolsos vultosas quantias para socorrer as necessidades da população.

Também vai longe o tempo em que pelas estradas poeirentas da vila de Ytu, caminhava o padre Antonio Pacheco da Silva, o pioneiro e fundador do hospital e da capela dos morféticos recolhidos por ele, no bairro que não recebeu o seu nome, mas o do seu sucessor.

A cidade deve a ele a primeira água encanada existente, em 1800.  Até então, as fontes usadas pelos moradores eram deficientes e distantes. A mais próxima ficava no cercado do convento franciscano.

Ao notar a dificuldade para a obtenção de água, o padre Antonio providenciou às próprias custas sua captação, num manancial distante meia légua da cidade. Utilizando tubos formados por grandes telhões de barro, trouxe água abundante e de ótima qualidade. Foi ele mesmo o engenheiro que levantou o nível e fez os estudos necessários para a execução da obra, e o construtor dos dois chafarizes – um no Largo do Carmo e outro no da Matriz.

Após décadas de uso, os telhões ficaram danificados. Em 1863, já velho, doente e sem condições de recuperar o encanamento, padre Antonio, sabendo que a Câmara não dispunha de recursos para fazê-lo, dotou-a com a quantia de duzentos mil réis para serem empregados na recuperação do sistema.

A Câmara aceitou o dinheiro, mas a obra nunca foi realizada. Em 1908, quando foram abertas as valas na Rua do Carmo para o serviço de esgoto, parte do encanamento do generoso e esquecido padre Antonio Pacheco da Silva ainda se encontrava lá.

No século 21, o Consórcio Intermunicipal do Ribeirão Piraí (Conirpi), firmado em 2003, prevê – entre outras disposições - a construção de uma barragem que poderia solucionar o problema da falta de água, mas ela ainda se encontra na etapa de elaboração de um projeto executivo e licenciamento ambiental – onze anos depois.

Além da barragem, há um projeto emergencial de captação de água bruta do Córrego Pau D'Alho e do Ribeirão da Mombaça, a ser executado pela empresa Águas de Itu nos próximos meses, com término sabe-se lá para quando.

Cabe à população ituana recorrer às procissões, pedindo para que chova torrencialmente pelos próximos dois anos, ou cobrar as autoridades de forma contundente.

O colapso é geral. Da administração pública, das águas – pluviais, reservadas, das Águas de Itu, Águas do Brasil ou “Águas da República”, como se pretende chamá-la.

Era só o que faltava. Pensar em tradição quando a mais elementar lição de casa não é feita: entregar à população aquilo que tem direito: Água. Ela paga por isso.

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