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Publicado: Sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Holograma

Crédito: Domínio Público Holograma

- Já é dia – pensou o velho, deitado sobre o musgo úmido.

Sentando-se com dificuldade, passou as mãos nos olhos e nos cabelos. Coçou-se preguiçosamente, espichando com cuidado as pernas doloridas. Dormira encolhido.

- Noite para alguns, dia para outros – refletiu, observando a fuga dos animais noturnos.

Uma barulheira infernal encheu a floresta - feita dos tagarelares de todas as espécies. Milhares de aves se movimentavam em busca de alimento e de material de construção para os ninhos. Outras cantavam perdidamente para atrair companheiras ou espantar inimigos. Macacos pulavam de um lado para o outro, aos gritos, enquanto lagartas comiam vorazmente as folhas das plantas.

Imóvel, o ancião a tudo observava, até se fundir na contemplação da natureza. Já não mais sabia ser homem ou mulher, árvore ou borboleta, velho ou moço.

Teve a certeza de que um pássaro o habitava - presença manifesta e inequívoca gestada no silêncio dos séculos.

Sentiu o ser se contrarir e expandir dentro de si, arrebentando suas entranhas num doloroso parto. Impossível impedir. Não havia caminho de volta. E assim nasceu a ave - não em ovo – mas adulta. Robusta e vigorosa. Alimentada no âmago pelos combates travados - de vida e morte. De muitas mortes, de muitas vidas.

Predadora de todas as dores e males, rara espécie formada pela colagem das derrotas, transmutadas em vitórias do existir. Com seus olhos de águia observava o infinito, estendendo as fortes asas para voar. Liberta.

Como num holograma, o ancião soube que a ave era parte e todo ao mesmo tempo.  Dele mesmo. Da floresta. Do Universo. Como pássaro, abriu os braços e partiu.


 
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