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Publicado: Terça-feira, 24 de outubro de 2017

Geração Zumbi

Crédito: APCRC Geração Zumbi

Homem que é homem não tem medo de mulheres altivas, fortes e que sabem o que não querem. Tenho acompanhado muitos casos de violência contra mulher, contra crianças, enfim, e percebo cada vez mais que a autonomia feminina é quase sempre punida com segregação ou violência. Uma sociedade patriarcal machista não está preparada para lidar com mulheres livres. E quando faço referência a liberdade, quero dizer “livre de espírito”; mulheres que tem autonomia de decisão, pensamento próprio, que não precisam de donos e muito menos proteção da própria violência provocada por excesso de testosterona acéfala no universo.

 

Uma pessoa segura de si, de seus princípios e valores, com inteligência desenvolvida, capacidade de autorreflexão, que tenha minimamente seus traumas e questões íntimo afetivas processadas, não terá medo de outras pessoas com características parecidas, pelo contrário, vai se identificar e não se amedrontar e fugir ou se amedrontar e reagir violentamente. Só uma mente limitada, traumatizada, martirizada, autoritária e sem o mínimo de capacidade de reflexões construtivas se sentiria ameaçado por “outros altivos”.

 

Infelizmente, tenho me deparado, tanto nas experiências clínicas quanto nas relações afetivas diárias, com pessoas drasticamente doentes. Digo, psiquicamente enfermas. Pessoas que não conseguem mais dialogar e se encantar com nada. Pessoas que genuinamente não se importam com absolutamente nada que vá além de suas próprias percepções de desejos e ambições. O mundo é pautado por seus interesses particulares e as relações apenas projeções de seus medos e aflições. Pessoas moribundas que saem pelo mundo espalhando sofrimento e dor para quem cruzar seus caminhos. Tem todo um discurso de felicidade e de realizações, mas a vida prática está toda despedaçada, truncada, parada e simbolicamente morta. Não sabem amar, cuidar e se importar com o outro. Não sabem acarinhar e muito menos ter a libido necessária para estar em encontros de corpos e almas com outros seres. Pessoas que vivem em suspenso, esperando a vida começar amanhã.

 

O que fazer quando encontrar um desses “zumbis humanos” por aí? Na verdade, a resposta demanda um certo cuidado, se é que existe uma resposta cabível nesses casos, mas todo mundo importa, os seres vivos importam e, sendo assim, não abandonamos pessoas só porque as mesmas não se enquadram dentro de nossas expectativas. Se importar é achar tempo para tentar, olhar, dialogar. Se importar é se permitir amar tudo aquilo que te escapa ao entendimento às vezes. Se importar é conseguir perceber o amor na dor.

 

Quem se importa com “o outro”, além de si mesmo, não finge que ele não existe, não ignora, não desdenha e muito menos nunca arranja tempo para nada que envolva conversas, amizade, sexo, carinho, enfim, alguém corrompido, doente, psiquicamente prejudicado, só consegue enxergar mazelas, transformar amor em disputas ocas de poder e fazer da relação possível uma batalha interminável de indiferenças cruzadas.

 

O amanhã não quer ver ninguém bem, como bem disse Vinícius de Moraes. O que temos é o hoje, é o agora e só podemos construir e transformar o que está diante de nós nesse momento de vida. Não adianta postergar a renovação. Não funciona jogar para frente ou para o outro a solução de suas questões interiores obscuras. Esse escuro faz parte de quem é você hoje e não adiantará transferir ou projetar as pseudo culpas nas pseudo relações das pseudo vidas dos pseudos seres humanos que possivelmente nos tornamos.

 

Reaja. Viva. Perceba-se nessa imensidão caótica de mentes conectadas e pulsantes. Por que tanto medo de viver, de querer, de amar!? Qual é o seu problema!? A vida é uma só, até que se prove o contrário, e é curta e rápida e quando menos esperamos, já foi.

 

Então, novamente indago: Qual é o seu problema!? Quais são essas culpas que nunca se perdoa? Qual é esse mal que nunca te abandona? Qual é a mazela que domina seu corpo e não te deixa reagir? Qual é a educação que te falta? O carinho que nunca sai de suas mãos? O relaxo explosivo que altera e se integra em sua carne? Qual é a tua zumbi!? Por que a vida precisa ser assim tão complicada e repleta de angústias metódicas e recorrentes? Por que o outro sempre será seu maior mal? Por que a solidão feliz proclamada empobrece sua alma e deixa sua existência assim tão ineficaz? Por quê?

 

O complicado não é pensar e refletir e medir e sentir a vida. O complicado está na energia que se gasta para acreditar que a vida não é feita para ser pensada. A energia que se despende preocupado com o amor do outro e não com as possibilidades e experiências afetivas que você mesmo pode vivenciar. O complicado, o truncado, o doente, está naquele que ao invés de amar e viver e sentir, fica desesperadamente controlando e dosando e regrando o amor que vem do outro, de graça, e sem interesse mesquinho material em troca. É apenas carne com carne, mente com mente, amor e dor.

 

A vida está aí. As pessoas estão aí. O universo se anuncia todo dia. Não adianta fingir que não se importa, que não vale a pena, que não deseja isso pra si. Não adiantará de nada, pois no final, seremos sempre uma conexão de amor e dor compartilhada, será sempre um “nós” e não apenas um “eu”.

 

Então, ao invés de consumir tanta energia em projeções mal trabalhadas de dores, culpas, erros e más condutas, vá procurar autorreflexão. Vá procurar ajuda. Vá se cuidar e evitar assim trazer tantos encontros tristes há tantas pessoas que ainda irão cruzar seu caminho. Todos devemos ser cuidadosos e responsáveis pelas vivências ruins que produzimos no outro que está ao nosso lado, seja ele um filho, ou um parceiro ou um familiar ou ainda um amigo. Deveríamos ansiar e trabalhar duro por encontros alegres, por mais dias de reflexão com trocas produtivas de saber pessoal, andar de mãos dadas com pessoas que se importam e amam e sentem a dor como qualquer pessoa saudável. Usar mais energia para produzir regozijos de prazer e menos frustrações e remorsos.

 

A indiferença não serve para nada, é um estado anestesiado de existência, uma condição subumana de viver. Quem acredita que vingança e retaliação são os únicos modos de responder aos estímulos que a própria vida oferece, carece então de muita criatividade, imaginação, sensualidade e senso crítico. Negar o direito a existência do outro com atitudes mesquinhas e indiferentes não é algo a ser celebrado com a alegria de uma vida frutífera e sim uma condição de pequeneza interior crônica.

 

E novamente proclamo e chamo: A vida está aí! As pessoas, as relações, os sentimentos, poxa, como é lindo viver com todas essas nuances e relances e o alcance de um coração que ama e reclama por mais! Estou exausta de pessoas mornas, de relações mornas e de vivências mais mornas ainda. Venha, se contamine e se ilumine no processo. A vida é uma só e está em suas mãos... agora. 

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