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Publicado: Quinta-feira, 2 de julho de 2015

Flor roubada

Crédito: Domínio Público Flor roubada
Caládio

JÁ NÃO ANDAVA MUITO BOA DA CABEÇA, quando subia o ladeirão da casa onde morava com o marido e os filhos, para visitar a mãe. Sofria de atordoamento, segundo dizia, o que lhe deixava as ideias atrapalhadas.

Os pais viviam numa chácara, quase no coração da cidade, no tempo em que os comércios ainda não haviam expulsado os antigos moradores, e que a praça era palco de paquera aos domingos – o “footing”.

Ela suava em bicas e subia devagar, arfando sob o peso dos mais de cem quilos.

- Que sacrifício! – pensava, no esforço de cada passo - descompassado do olhar rápido que examinava e marcava os jardins das casas, ofertados sem grades ou muros.

A visita se repetia duas ou três vezes por semana. Tímida, ela empurrava o portão apenas encostado e entrava silenciosamente. Já na sala, sentava-se na frente da mãe, muda e cabisbaixa.

- E os minino, Luíza?

- Tão bem...

Silêncio.

- E ocê? Tá tudo bem?

- Tá...

Silêncio.

Dado um tempo partia. Os passos já não eram lentos. O olhar ávido perscrutava os jardins alheios – oferta permanente dos “presentes” que levaria para casa.

Virava para um lado, para o outro e, rapidamente, se abaixava para colher com mãos experientes as mudas que replantadas, enfeitavam a sua vida.

As favoritas eram as de “batatinha” – Caládio de folhas grandes, pintado de verde e vermelho; Gloxínia alaranjada; Narciso amarelo; Agapanto com florinhas brancas ou azuis...

Não lhes conhecia os nomes, apenas a beleza que subtraía, sem que lhe fizessem conta os moradores.

E lá ia ela com as pencas nas mãos e na alma, o doce sabor das flores roubadas.


(Série "Crônicas da cidade de Salto")

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