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Publicado: Sexta-feira, 26 de agosto de 2005

Fábrica de tecidos

                   NOTAS SOBRE A FÁBRICA DE  TECIDOS SÃO LUIZ DE ITU

                                                      

                                                                      Anicleide Zequini  - [email protected]

                                                

 

 Texto incluso na Dissertação de mestrado intitulada O Quintal da Fábrica. IFCH-UNICAMP, 1992.

Sobre a fábrica de tecidos São Luiz ver: Nardy Filho, Francisco. A fábrica de tecidos São Luiz de Itu: primeira fábrica de tecidos a vapor fundada em São Paulo, SP, 1949 p.32-37; Dean, Warren. Rio Claro: um sistema de grande lavoura 1820-1920. RJ, Paz e Terra, 1977, p. 57; Dean, Warren. A fábrica São Luiz de Itu: um estudo de arqueologia industrial. Anais de História. Assis, 1976 p. 15.

                                          

 

            Dos cinco fundadores da fábrica São Luiz, pelo menos inicialmente dois deles, Antonio Carlos de Camargo Teixeira e Manoel José de Mesquita, dedicaram-se a cultura do algodão, e outros exerceram cargos políticos, como Luiz Antonio de Anhaia, idealizador do projeto e maior acionista, que foi por diversas vezes vereador em Itu e comandante da Guarda Nacional que posteriormente mudou-se para São Paulo onde montou sua própria fábrica no Bom Retiro.[1]

            Esta fábrica, considerada a pioneira na Província de São Paulo na fabricação de panos de algodão, constitui uma referência obrigatória para aqueles que se dedicam à pesquisa sobre o processo histórico de constituição das indústrias têxteis de São Paulo. O fato de seu edifício ainda existir[2] proporciona, principalmente aos estudiosos da arqueologia industrial, elementos significativos à abordagem deste tema, pois “a fábrica e seus arredores tem condições para proporcionar documentação adicional, material esse nunca colecionado pelo governo [3].

            A São Luiz, se hoje constitui uma referência obrigatória, na época de sua inauguração representava um modelo de empreendimento que era tomado como exemplo para a construção de outras fábricas com a mesma finalidade, como a fábrica Cedro em Minas Gerais (1872). Em ambos os projetos, a Lidgerwood foi responsável pela importação das máquinas. Quanto à Cedro, Bernardo Mascarenhas, o responsável pela construção, veio vistoriar e examinar a solução adotada em Itu para facilitar a elaboração da planta de sua fábrica.[4]

            Toda maquinaria da São Luiz foi adquirida dos  Estados Unidos. Contava com 62 máquinas, entre as quais 24 teares.[5]Guilherme Putney Ralston, engenheiro chefe da Companhia Lidgerwood, foi o responsável pela aquisição da maquinas e também pelo projeto do edifício.[6] Os serviços oferecidos por importadores como a Lidgerwood, iam além da venda de máquinas. na verdade eles vendiam a “fábrica de tecidos” (planejamento, maquinarias e pessoal para treinamento de trabalhadores).[7]

            Destes técnicos, alguns já se encontravam no Brasil. Outros vinham exclusivamente com a finalidade de acompanhar a montagem das máquinas vendidas, e por aqui ficavam. Guilherme Ralston,  após ter participado da montagem da São Luiz, associou-se a Antonio e Augusto de Souza Queirós, em 1875, para construir a fábrica de tecidos “Carioba” na antiga fazenda São Domingos em Campinas, (depois denominada Vila de Americana). A fábrica contava com 26 teares, tocados pelas águas do ribeirão Quilombo.[8]

            O americano Thomas Harre, mestre-ferreiro, não teve a mesma sorte. Depois de trabalhar alguns anos em Itu, na montagem da fábrica “São Luiz”, atacado de terrível mal, o “spleen”, pôs termo a existência, com um tiro de pistola”.[9] A vinda ao Brasil não tinha retorno para muitos desses “especialistas”. A exemplo de Thomas Harre, outros acabaram falecendo em Itu e também em Salto, vítimas de “melancolia” ou de doenças como a varíola que atacou, em 1887, um mestre de fiação inglês recém-chegado ao estabelecimento fabril de José Galvão em Salto.[10]

            As maquinarias da São Luiz passaram por duas fases distintas. Na primeira predominava a americana, mas a partir de 1886, caldeira e teares começaram a ser adquiridos da Inglaterra.[11]

            Esta fábrica produzia “algodão grosso da terra” destinado principalmente às roupas de escravos, trabalhadores na agricultura e para o ensacamento do sal, em Santos. Projetada também para que futuramente fossem produzidos tecidos finos, a fábrica empregava inicialmente mulheres e crianças para trabalharem nos 24 teares que possuía, recebendo um jornal de 1$000.[12]    

            O Almanaque da Província de São Paulo para 1873 traz mais detalhadamente as condições em que se realizava o trabalho: 52 pessoas, sendo 24 mulheres, 10 homens e 18 meninos, todos operários nacionais e livres[13], característica que também pode ser notada posteriormente nas fábricas pertencentes a José Galvão e Barros Júnior na localidade de Salto. A direção da São Luiz não solicitou imigrantes operários fabris, e em 1901, somente 10% da força de trabalho era estrangeira[14], ao contrário das primeiras fábricas de Salto que juntas, nestes mesmo ano, contavam com 400 operários, sendo 2/3 estrangeiros.[15]      

            A comercialização do pano de algodão era feita numa grande extensão territorial, abrangendo não só a cidade de Itu, onde era vendido à porta daquela fábrica[16], como também em Campinas e Rio Claro. Ao mesmo tempo sofria a concorrência de mercadorias semelhantes, vindas da fábrica de Santo Aleixo e de Minas Gerais.[17]

            O tecido era de qualidade e grande durabilidade , pelo “bem torcido dos fios”, e também acessível aos fazendeiros. A quantidade daqueles produtos e a sua projeção junto ao mercado consumidor, levaram alguns a promoverem uma falsificação  através da impressão daquela marca em outras peças de panos, que eram encontradas sobretudo em estabelecimentos de Campinas.[18]

            O montante destas falsificações e a regularidade com que elas aconteciam fizeram com que os seus proprietários publicassem em jornais, como a Gazeta de Campinas, anúncios advertindo não apenas os consumidores como também os comerciantes. Assim, em 1872  publicam:

participamos aos Srs. fazendeiros que só temos  depósito de pano de algodão de nossa fábrica em Campinas, em casa do Sr. Joaquim Izique, e que, ha em diferentes negócios de pano de algodão falsificando com o nosso letreiro, vindo de outras fábricas: portanto prevenimos os nossos fregueses a fim de não serem enganados”[19].

 

 

                     Bibliografia específica sobre a S. Luiz

 

Azevedo Marques, M. E. de Apontamentos Históricos, Geográfico, Bibliográfico e Noticiosos da Província de São Paulo. SP, ed. Itatiaia/Edusp, 1980.

Bandeira Jr., Antonio Francisco. A indústria no Estado de São Paulo 1901,  AP, Typ. do Diário Oficial, 1902.

Campos, Ernesto de Souza. Subsídios para a História de Itu e Sorocaba. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, vol, L., 1953.

Canabrava. Alice P. O Algodão em São Paulo 1861-1875.  2a. ed. SP, T. A. Queiroz, ed. 1984.

Cardoso, Heloísa Helena Pacheco. Tramas e Fios: a fábrica têxtil em Minas Gerais,  Dissertação de Mestrado, IFCH-Unicamp, 1986, mimeo

Castro. Fernanda P. Fábrica de Tecidos São Luiz- Itu. FAU-PUCCAMP, 1997.

Dean, Warren. A industrialização de São Paulo 1880-1945, 3a. ed. SP/RJ DIFEL ed.

-----------------. A fábrica São Luiz de Itu: um estudo de arqueologia industrial. Anais de História. Assis, 1976.

De Decca, Maria Auxiliadora. A fábrica de tecidos São Luiz: marco da industrialização em São Paulo. Processo para tombamento Condephat n. 22338/82, mimeo.

Fonseca, Antonio A. da. Tipos Iytuanos, Revista do Instituto histórico e geográfico de São Paulo, vol. II, 1897.

Foot, Francisco/Victor Leonardi. História da Indústria e do Trabalho no Brasil.  SP, ed. global, 1982

Hough, John. A primeira fábrica de tecidos de algodão em São Paulo. Itu ou Sorocaba?. Jornal O Estado de São Paulo. 09.mar.1944.

Ianni. Otávio. Uma Cidade Antiga.  Campinas SP, ed. da Unicamp/Museu Paulista, 1988.

Marques, Azevedo. Fábrica de Tecidos na Província. Jornal Correio Paulistano, 31.mar.1875.

Muller, Daniel Pedro. Ensaio d’um quadro estatístico da Província de São Paulo. SP, Typ. de Costa Silveira, 1923

Nardy Filho. Francisco. A Fábrica de Tecidos São Luiz de Itu: primeira fábrica de tecidos à vapor fundada em São Paulo. SP, 1949, s/ed.

----------------------------. A Cidade de Itu SP, ed. Esc. Salesianas: 4 vols. 1o. 1928, 2o. 1930, 3o. 1950, 4o. 1950.

Relatório apresentado ao Ex.mo Sr. Presidente da Província de São Paulo pela Comissão Central de Estatística. SP, typ. King, 1888.

Rodrigues. Luiz. Fábricas de Tecidos: um século de trabalho ininterrupto. s/ed. 1969

Saia, Helena. Arquitetura e Indústria: fábricas de tecidos de algodão em São Paulo 1869-1930.  FAU-USP, mimeo, 1989.

São Paulo de 1870 e o início da indústria de algodão. Digesto Econômico. ano I n. 4, 1945.

Souza Campos, Ernesto de. Subsídios para a História de Itu e Sorocaba. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. n  vol. L, 1953.

Stein, Stanley.  Origens e Evolução da Indústria Têxtil no Brasil 1850-1950.  RJ, ed. Campus, 1979.

Taglianetti., Mário. Reciclagem: fábrica de tecidos São Luiz-Itu. PUCCAMP, 1987.

Toscano. João Walter. Itu-Centro Histórico: estudos para preservação. Mestrado, FAU-USP, 1981.

 

   

 



[1] Sobre a fábrica de tecidos São Luiz ver: Nardy Filho, Francisco. A fábrica de tecidos São Luiz de Itu: primeira fábrica de tecidos a vapor fundada em São Paulo, SP, 1949 p.32-37; Dean, Warren. Rio Claro: um sistema de grande lavoura 1820-1920. RJ, Paz e Terra, 1977, p. 57; Dean, Warren. A fábrica São Luiz de Itu: um estudo de arqueologia industrial. Anais de História. Assis, 1976 p. 15.

 

[2] Esta fábrica encontra-se hoje preservada através da legislação estadual. Saia, Helena. Arquitetura e Industria: fábricas de tecidos de algodão em São Paulo 1869-1930. FAU-USP, mimeo, 1989 p. 139

[3]Dean, Warren (1976: 9)

[4]Saia, Helena. op. cit. pp.143-144. Sobre a fábrica Cedro (1872) e Cachoeira (1877) ver: Cardoso, Heloísa Helena Pacheco. Tramas e Fios: a Fábrica Têxtil em Minas Gerais. IFCH-Unicamp, 1986, mimeo.

[5] Canabrava. Alice. O algodão em São Paulo 1861-1875, 2a. ed. SP, T.A. Queiroz, ed. 1984

[6] Nardy Filho, Francisco (1949: 19-26)

[7] Sobre a maquinaria na industria têxtil ver:  Stein, Stanley. Origens e Evolução da Industria Têxtil no Brasil 1850-1950. RJ, ed. Campus, 1979, p. 50

[8] Canabrava. Alice P. op. cit. p. 284; São Paulo 1870 e o início da indústria de tecidos de algodão, Revista Digesto Econômico, ano I, n. 04, 1945, p. 24; Ribeiro, Maria Alice R. Condições de Trabalho na Indústria Têxtil Paulista (1870-1930). IFCH-Unicamp, mestrado, mimeo p. 39

 

[9] Nardy Filho, Francisco (1949:24)

[10] Este mestre de fiação faleceu em 29.jul.1887. Imprensa Ituana, 05.jul.1887 p. 2

[11] Nardy Filho, Francisco. (1949 17-50); Dean, Warren (1979: 21)

[12]Dean, Warren (1976:20); Nardy Filho, Francisco (1949:40-44).

[13] Luné, Antonio José B. Almanaque da Província de São Paulo para 1873, reed.1985 p. 361

[14]Stein, Stanley. The Brazilian Cotton Manufacture. Cambridge, Massachusetts, 1957 p. 54; Dean, Warren (1976:14).

 

[15] Bandeira Jr. Antonio Francisco. A industria no Estado de São Paulo SP, Typ. Diário Oficial, 1902 p. 152

[16] Nardy Filho, Francisco (1949:47); Dean, Warren (1976:19).

[17] Lisboa. José Maria. Almanak de Campinas para 1871. SP typ. da gazeta de Campinas, 1870 p. 141.

[18] Anúncios. A Gazeta de Campinas 09.maio.1872 p. 4

[19] Idem, ibidem 

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