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Publicado: Quinta-feira, 19 de julho de 2018

Extensões de cometas

Crédito: http://dramalhices.wordpress.com Extensões de cometas
"O balanço em que a criança brincava era uma grande metáfora: a roda da fortuna".

A criança, após o seu dia agitado, encontra o seu descanso. Sentada no balanço, flutuando entre os movimentos, sentindo o vento - tão veloz - em seus cabelos. Chega ao chão, bate os pés, retorna ao ar, sem pestanejar. Ida e volta, continuamente. Ao fundo, sua mãe olha, alegre, o riso daquele ser tão pequeno, que ainda está a descobrir o mundo.

O sol ilumina a verde relva, as jabuticabas ao lado já estão maduras, os pássaros, de diversas cores, cantam, assobiam, e alimentam seus filhotes no ninho. Vão e vêm, também. A mulher continua seu ritual de adoração, relembra seu passado. Era pequena também, há algum tempo. Na verdade, ainda sente-se assim. Quem não é pequeno diante da vida? - pensa - Somos todos grãos de areia, extensões de cometas criados pelo Universo, presos no tempo e no espaço, militantes de tantas convenções, dúvidas e exclamações...

A criança ria, os pássaros cantavam, a mulher, seus cabelos castanhos afagava. Era feliz! Apesar dos pesares, apesar de questionar e incompreender os rumos que sua vida tomou até ali. Sabia que ainda havia muito a aprender, as perdas foram lições duras, a simplicidade tornou-se o seu árbitro. Não precisava de muito, as cobranças não mais a devastavam, era livre de padrões, de atribuições que só desmanchavam seus desejos guardados há tantos anos.

Era feliz! Venceu por si própria! Foi cavaleira e rainha de sua própria história. O balanço em que a criança brincava era uma grande metáfora: a roda da fortuna. A moça filosofava enquanto assistia àquela cena bucólica: na terra ou o céu, o destino de todos será onde a força dos movimentos os inclinar. Levantou-se rapidamente, seus olhos negros fitaram todo o parque. Respirou profundamente como se meditasse, sentiu o ar fresco da brisa suave em suas narinas. Arrepiou-se em uma fração de segundos, levou as mãos até os fios que estavam caídos em frente aos seus olhos e os ajeitou atrás das orelhas. Novamente sorriu. A sua coletânia de lembranças havia chego ao fim, já era quase a hora do parque fechar os portões.

Avistou um outro balanço, não importava o tamanho de suas pernas, mas sim o controle que agora tinha sobre as suas ações. Como a criança, queria sentir intensamente a vida. Estendeu os braços ao pequeno pedaço de estrela que a iluminou. Este, sorridente, retribuiu. Puseram-se a balançar também, sentiram o céu como nunca ela havia antes. A mulher, de olhos negros e cabelos castanhos, enfim, era livre para ser quem gostaria. 

(Autoria Própria)

 

"No ar que eu respiro, eu sinto prazer, de ser quem eu sou, de estar onde estou" (Rita Lee, Luis Sérgio Carlini, 1975)

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