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Publicado: Quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Estarei aqui

Existe só recordação de pensamento. Sons para se ouvir, gostos para tornar sentir e fazer parecer que foi ontem.
Tudo parece ter sido ontem.
As portas, o tecido da mesa, a caneca.
Os papéis intactos sob a mesa, aguardando as memórias chegarem até aqui. E eis aqui, na linha, a confusão da lembrança.
 
Como o meu segredo que sou, sinto toda alegria e tristeza, minhas e não somente minhas, e sorrio com a temperatura fresca da brisa beijando minha face enquanto o calor morno do sol acaricia meus ombros.
 
Posso me deitar na grama e olhar de lado, vendo o sutil trabalho das formigas operárias borbulhando murmurinhos, distantes da grandiosidade das árvores no horizonte, erguendo seus braços para o céu, clamando uma espécie de “me tirem daqui”, mas, na melhor das hipóteses deste instante de contemplação, estavam em um “obrigado meu Deus por poder ser árvore, e não linha”.
 
O sabor dos pacotes de biscoitos mudou, de ontem para hoje, e o tom de voz da autoridade, e o tamanho dos cômodos e móveis e objetos. Tudo tornou-se confuso.
Sempre haverá o meu segredo falando de mim mesmo, enquanto me deixar falar. Se eu falar sozinho, continuarei misterioso – pouco me importando se nada além da linha me lê – sozinho, estarei aqui.
O tempo pede um apreço.
 
Meu apreço vale a linha que escrevo, agora, simplesmente, compensando a tinta que concede a bondade da forma neste leito, humilde, (me) deixando (me) transformar (me) em memória.
 
Não quero recordações que não acrescentem além da impressão de que pareceu ter sido ontem.
 
Quero o trabalho das formigas. Quero a fé das árvores. Quero de volta o sabor de biscoitos, e acima de tudo gostaria muito da verdade.
E trago comigo tanto anseio.
 
Posso me enganar, e um dia talvez pense diferente. Sou um segredo que guardo no tempo presente. Minhas breves e ligeiras impressões de ontem são como base – a base de amanhã. E amanhã...
 
Amanhã talvez, quando vier me visitar, irá me trazer uma notícia (boa), e na semana seguinte eu teria mais tranquilidade, então. E o remédio poderia fazer efeito, tornando a promessa da felicidade condizente com o término de um curso – com a sua bula das horas percebendo escoar a areia da ampulheta, ligeira.
 
Quando eu for me visitar, é possível que tenha tanta saudade, que possa pensar diferente, e pense que lembrar seja humano - a base para ser solida, além de compacta precisa ser firme, remetendo a intensidade do ‘para sempre’.
 
Para sempre. Frase pronta. Não é meu intento repetir frases ditas, nem copiá-las de outras reflexões – não estaria sendo eu o meu segredo.
 
E das frases feitas? Teorias preestabelecidas e moldadas funcionam até o momento em que caminhamos, e caminhamos, e a linha acaba.
E então começamos uma nova.
E outra.
E todas as outras. E formamos uma existência fra g m en t ad a...
E tudo mudou.
 
Nossos pais, e todo nosso carinho, e todo nosso trabalho, e toda nossa essência são aqui a forma da minha letra. O mais próximo da verdade, com espaços de entrelinha para as confusões.
E o mundo é um gigante a impressionar.
 
Parece que somos impressionáveis - nos metemos a buscar a nós e aos outros antes de buscar o agora. E somos impressionantes! Olhamos no relógio e contamos os segundos (e gosto muito quando horas e minutos estão todos condizentes). E tudo mudou.
 
Vou dizer que me lembro (lembro...) de não pensar ser muito fácil ter coragem.
(Nunca foi. Ficávamos escondidos atrás da linha, e aparecia o cocuruto com os nossos olhos curiosos e amedrontados sob a mesma, e, trêmulos, arriscávamos um palpite ou uma ação) (Ou não arriscávamos nada, até que nos pegassem pela mão, como uma professora de primário, e nos dissessem então que não era necessário temer) (pelo menos, não temer muito).
 
E os temerosos, aqui estamos.
Certa vez me pegaram pela mão, e tinha tanta coragem que era fácil poder partilhar da sensação que aquela força demonstrava. Pensava gostar muito daquelas mãos, e gostava.
 
E parece que faz tanto tempo que sei que quem te encorajava era eu.
À medida que podia ver além de seus olhos, sentia o encanto para dar continuidade intensa às várias linhas que se seguiam.
 
Ora de mãos dadas, ora com suas mãos em meu rosto. Não podia deixar de pensar sobre o quanto as formigas estavam ágeis, e as árvores, possivelmente, sussurravam súplicas para abrandar os pensamentos daquele observador tão valente em sua solidão. E continuava deitado na grama, sem saber de nada além do agora.
 
Foi quando você chegou.
Existe somente recordação de pensamento, então? (ênfase na confusão das horas).
Por que veio em minha direção? E por que isso não parece ter sido ontem, como tudo sempre parece ser?
 
Parece mesmo ter sido por todo tempo, e isso tem uma eternidade – como se nada tivesse mudado - como o trabalhar constante das formigas e o louvar insistente das árvores.
 
O meu segredo talvez eu também não saiba. Pouso confuso, não sei.
Parte de minha resposta está contigo, e comigo, estarei aqui.
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