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Publicado: Sábado, 23 de dezembro de 2017

Esperança

Crédito: Domínio Público Esperança

 

Flor de pétalas miúdas e fétido odor. Deleite dos enamorados que fazem com ela adivinhações de bem ou mal quereres. Não sei se deu nome à mulher, ou se dela o roubou.

O fato é que a Margarida vivia esquecida, fincada num canto da neve – desconhecido o seu tempo de chegada, tanto já se passara.

O sol de inverno arrastava a vida para fora e aquecia a flor – pálida e desenxabida, emoldurada em branco.

Vinham o limpador de calçadas, os bonecos redondos, a guerra de bolas e as risadas infantis – viradas adultas e multiplicadas em choros de bebês.

Vinham os patins deslizantes que rodopiavam em dias que não se faziam noites que, quando chegavam, lacravam as portas e janelas das casas.

Chegou um tempo em que a noite veio e esqueceu de ir embora. O mundo escureceu e até a lua, assustada, se escondeu, deixando vazio os corações.

Os namorados não tinham mais o acalento da sua luz. Os amantes já não sussurravam segredos e juras de amor.

Guerras assolaram o planeta, e a fome e a sede devoraram seus filhos. Ventos cortantes e tempestades açoitaram o manto negro, que sequer se mexia.

O sono do tempo apagou do Universo a lembrança da Terra. Dormiram o mundo e a Margarida.

Dia veio em que a natureza calou seu clamor, e um silêncio encorpado tomou conta do espaço. Lá de cima, no céu, a lua espiou com um olho só, e um feixe de luz partiu como um raio sobre a vida dormente. Portas rangeram nos gonzos e se abriram, e uma multidão maltrapilha e sonolenta se arrastou para fora.

Envolta em noite, apenas uma luminosa Margarida se erguia orgulhosa sobre os escombros, trazendo nas delicadas pétalas a esperança de um mundo melhor.

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