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Publicado: Segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Entre Vizinhas

Era uma boa pessoa, prestativa, super protetora, sempre pronta para ajudar os outros, mas, tinha um hobby arrojado: dirigir o Mundo e as pessoas.
 
Para todos os fatos e situações ela tinha sempre uma opinião formada, para todos os problemas, a solução, para todas as perguntas, a resposta.
 
Da janela de seu apartamento, observava o vai-vem da vizinhança. Sabia os pormenores da vida de cada um e sempre que surgia uma oportunidade, dava “valiosos” conselhos.
 
Logo de manhã, observava o Mundo lá fora.
 
Estendia a vista até o horizonte onde o sol despontava e pensava:
 
“Não sei por que o sol nasce deste lado. Seria muito melhor se nascesse do outro. Aliás, dizem que Deus é sábio e perfeito em tudo que faz, mas tem muita coisa errada na natureza. Porque temos verão escaldante e inverno gelado? Parece que é por causa da inclinação do eixo terrestre, mas se ELE é tão perfeito como foi fazer esse eixo torto? E a chuva, então? Nunca vem na hora certa. Sempre vem de mais ou de menos....”
 
“Lá vem a Mariana, da feira, com uma enorme sacola na mão. Eu já disse a ela que devia levar duas sacolas menores para repartir o peso, mas não me ouviu. Vai acabar com problema na coluna.”
 
“Olha lá a Luiza! Grávida de novo! Esperando o quinto filho! Que insensatez.”
 
“E a Marina então, levando os dois cachorros para passear. Onde já se viu dois animais desse tamanho em um apartamento? Será que, no prédio onde mora, os vizinhos não reclamam?”
 
Cansada de constatar os absurdos do comportamento humano e a imperfeição do Universo, resolve descer e comprar um jornal.
 
No elevador, encontra a vizinha nova, uma senhora idosa, com quem ainda não havia conversado:
 
- Você está morando no 84? Eu sou a Halice (com h), moro no 82.
 
- E eu, a Kacilda (com k), interessante, ambas temos nomes meio exóticos.
 
Lá vai o primeiro conselho:
 
- Eu acho que você devia dar um jeito de mudar para Cacilda. Kacilda é muito estranho, parece que escreveram errado.
 
- Já estou acostumada, responde a outra, e, mudando de assunto:
 
- Fui até o supermercado comprar farinha de trigo para fazer um bolo.
 
Halice espia dentro da sacolinha e exclama:
 
- Você não devia usar farinha Estrela. A Tia Anastácia é muito melhor.
 
- Verdade? Não sabia.
 
Minutos mais tarde, Halice olha pela janela e vê a Kacilda com a sacolinha do supermercado na mão, atravessando a rua imprudentemente, no meio do quarteirão, desviando perigosamente dos carros.
 
“Com essa idade e sem juízo! Deve ter vindo de algum lugarejo do interior e não imagina o perigo do trânsito nas cidades grandes. Aliás, devia estar em casa fazendo o seu bolo. Já não foi, hoje, ao supermercado? Porque não comprou logo tudo que precisava?”
 
Quando Kacilda adentra o prédio, Halice a está esperando no corredor para mais um dedo de prosa.
 
A outra sai do elevador e sorri para ela:
 
- Voltei ao supermercado para comprar o fermento. Comecei a bater o bolo sem reparar que tinha acabado.
 
- Quando for preparar qualquer coisa na cozinha, você deve primeiramente separar todos os ingredientes e, se faltar alguma coisa, vá comprar de uma só vez. Eu a vi atravessar a rua agora a pouco. Não deve fazer como fez que é perigoso. Vá até a esquina, aguarde o sinal, atravesse pela faixa, depois contorne pela calçada....
 
- É? Sei..... !
 
Alguns dias depois, a nossa amiga vê novamente a vizinha atravessando a rua, apressada, desviando dos carros, rumo ao supermercado.
 
- Que teimosa! Não entendeu nada do que eu disse. Por que será que vai, tantas vezes, às compras?
 
Até que, um dia, encontraram-se na porta e Halice, na certeza de que a vizinha ia mais uma vez ao supermercado, lhe disse:
 
- Olhe, hoje eu vou com você para mostrar-lhe qual a maneira mais segura de atravessar as ruas.
 
- Mas....
 
Sem dar tempo para a outra questionar, agarrou-lhe o braço e puxou-a, até a esquina.
 
- Não me custa nada, é um prazer ajudá-la.
 
- Não...
 
- Agora vamos esperar o sinal verde...
 
Só então, a Kacilda conseguiu falar:
 
- Mas, eu não vou ao supermercado....
 
E, antes que Halice pudesse intervir, completou:
 
- Vou à sapataria.
 
E, ato continuo, desprendeu-se da outra e atravessou correndo a rua, no meio do trânsito, na direção oposta.
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