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Publicado: Domingo, 15 de novembro de 2009

Elvis - direito de resposta

Elvis - direito de resposta

Estou morto, muito morto mesmo. Diria que nunca estive tão morto em toda a minha vida.  Na verdade, estou mais morto que Janis Joplin, Charles Chaplin e John Kennedy juntos. Enfim, ou estou morto ou não me chamo Elvis.

Semana passada John Lennon enviou uma mensagem a vocês, terráqueos, insinuando que eu não tinha ainda batido as botas. Logo eu, que cheguei por aqui 3 anos antes dele. O fato é que John tem lá seus motivos para inventar coisas a meu respeito.  Mesmo sendo quatro disputando comigo sozinho, os Beatles não conseguiram tirar minha coroa de rei do rock, pois é assim que continuam me chamando aí embaixo, certo? Isso pode ter mexido com os nervos de John, embora não seja frequente nos mortos o destempero emocional.

John afirma em seus garranchos psicografados (que já devem estar indo a leilão na Sotheby’s por milhões de libras) que eu não morri coisa nenhuma ou devo estar nos quintos dos infernos comendo sanduíche de pasta de amendoim. Estou sim, devorando essa iguaria, e por isso mesmo estou no céu, pois é minha comida favorita. Aliás, aproveito para dizer que foi a pasta de amendoim que me tornou gordo nos últimos anos, e não o coquetel de tranquilizantes – que erroneamente atribuem como desencadeadores do meu inchaço e de minha causa mortis.

Tempo houve em que os Beatles formavam um verdadeiro fã-clube deste que vos fala. Lembro nitidamente daqueles quatro cabeludos chegando embasbacados à minha mansão em Los Angeles, ansiosos por me conhecerem de perto e me adorando como se eu fosse um profeta do Antigo Testamento. Estava dedilhando meu contrabaixo deitado no sofá e nem dei muita bola quando anunciaram sua chegada e os despejaram no meio da sala. Continuei tocando e olhando a TV, de chinelo e bermuda, alheio completamente ao que se passava, como se eles fizessem parte da mobília ou da criadagem. Contaram umas piadas, tocaram umas musiquinhas, olhando pra mim com cara de quem aguarda a aprovação paterna. Na tentativa de quebrar o gelo, o mais narigudo deles (esqueci o nome) ficou fazendo uns malabarismos com as baquetas, até que eu disse: “Puxa, você é bom mesmo nisso. E o que mais sabe fazer?”. Ficaram mais um tempo e enfim se escafederam, depois que eu olhei para o relógio e disparei sem pestanejar: “Bem garotos, se me dão licença, eu não tenho o dia todo...”.

Falar é fácil. O que Lennon não disse é que ele e George tentaram formar um trio comigo, por esses rincões celestes. Recusei polidamente: “Forget about, acho que nossos estilos não se bicam”. George entendeu, mas John me pareceu indignado com a recusa e inventou essa coisa toda de que não me viu por aqui.

O que interessa é que meu túmulo está lá em Memphis, e meus ossos podem ser exumados a qualquer momento. E você, John? Onde está seu túmulo? Para quem não sabe, John não tem túmulo, suas cinzas foram espalhadas sei lá onde. Isso significa que, se há alguém nessa história que pode ter sua morte questionada, esse alguém é John.  Quem me garante que ele não continua firme e forte em seu apartamento no Dakota, sem botar a fuça pra fora de casa, isento das responsabilidades e obrigações que pesam sobre qualquer encarnado e deixando tudo a cargo de sua gueixa septuagenária?

É, John, mesmo morto devo admitir que você foi vivo, mas ninguém há de cair na sua conversa. Quanto a vocês, mortais, continuem mandando suas orações e fazendo suas peregrinações anuais a Graceland.

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