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Publicado: Quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Documentos e História Urbana: A Vila de Itu

A pesquisa Documental na reconstrução da Historia Urbana: a Vila de Itu


ANICLEIDE ZEQUINI


Artigo publicado nos Anais doVIII Seminário Nacional do Centro de Memória – Unicamp, Memória e Acervos Documentais: o Arquivo como espaço Produtor de Conhecimento, ocorrido entre os dias 26 a 28 de julho de 2016, na Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP. Disponível em: http://www.encm2016.eventos.dype.com.br/site/anaiscomplementares

A proposta para a realização de uma pesquisa documental voltada para a reconstrução da História Urbana da Vila de Itu surgiu a partir do desenvolvimento de um projeto intitulado Sobrados e Casarios: a Vila de Itu no período açucareiro, encaminhado ao Fundo de Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São Paulo tendo a participação o bolsista-pesquisador André Santos Luigi.

A historiografia relacionada à História de Itu, no período em que a localidade se tornou uma das mais importantes Vilas da Capitania/Província de São Paulo, devido a riqueza proporcionada pela agricultura da cana de açúcar e do numero e produção dos engenhos, e considerada uma das mais importantes vilas produtoras de açúcar da Província de São Paulo, estão voltadas às questões de ordem econômica e demográfica.

A partir de 1765, com a economia açucareira incentivada pela política do Governador da Capitania de São Paulo, D. Luiz Antonio de Souza Botelho e Mourão, o Morgado de Matheus, a Vila de Itu passou a integrar a região denominada por Maria Tereza Petrone, em seu livro A lavoura canavieira em São Paulo (1968:41), de “Quadrilátero do Açúcar”, formada pelas localidades de Sorocaba, Piracicaba, Mogi-Guaçú e Jundiaí, tendo Itu e Campinas no centro desta produção.

Em Itu, a riqueza proporcionada pela economia açucareira se materializou pela presença de inúmeras construções religiosas, de casas de sobrados pertencentes a elite econômica, política e eclesiástica que foram construídas nas principais ruas e largos da localidade e nas Artes, principalmente, nas pinturas e musicas sacra.

Uma das primeiras representações do traçado urbano de Itu intitulada “Figura por estimação da Vila de Itu”, elaborada pelo Engenheiro português José Custodio de Sá e Faria em 1774, indica a presença de pelo menos três ruas: a Rua Direita Ocidental, atual Rua Paula Souza, a primeira a ser urbanizada, tendo em suas extremidades a presença de duas igrejas: a Igreja do Bom Jesus e a Igreja Nova (atual Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária) que ainda em construção no ano de 1774; a Rua Direita Oriental, Atual Rua Barão de Itaim ligando o Largo da Igreja Nova ao Largo do Carmo e a Igreja do Carmo. É neste seguimento do urbano, considerado por João Walter Toscano em seu trabalho intitulado Itu/Centro Histórico: estudos para preservação (1981:16), como o “eixo central de povoamento” e onde se concentraram a população mais abastadas como os proprietários das maiores áreas rurais, dos engenhos de açúcar, de escravos e negociantes.

O trabalho foi desenvolvido a partir dois conjuntos documentais, os Livros de Notas, que contém todos os registros de compra e venda de imóveis (casas, terrenos, sítios e fazendas) entre finais do século XVIII a meados do século XIX e, os Inventários post-mortem, documentos que possibilitaram o levantamento e descrição dos imóveis que foram passados a outros proprietários, por herança na partilha dos bens deixados pelo inventariado. Ambos os conjuntos fazem parte do arquivo histórico do Museu Republicano “Convenção de Itu”, extensão do Museu Paulista da Universidade de São Paulo.

Os Livros de Notas são registros públicos lavrados por tabeliães ou notários. Estes registros são feitos em livros próprios que contém diversas tipologias de contratos e escrituras como os testamentos de caráter cível e, outros atos que exigiam escritura pública como compras e venda de casas, terrenos, escravos, sítios, testamentos, contratos de casamentos, entre outros. O primeiro registro de Livro de Notas para a cidade de Itu data do ano de 1774, ou seja, o mesmo ano da realização do trabalho de Sá e Faria e também da construção da nova Igreja Matriz.

Tendo o conhecimento da evolução urbana de Itu, com base na planta urbana de 1774, a pesquisa documental realizada nos registros dos Livros de Notas e nos Inventários permitiu acrescentar outros dados como de dadas aproximadas da abertura de novas ruas e largos, como também a configuração dos prédios urbanos (sobrados e casas térreas) e sua localização. Observa-se que os primeiros sobrados da cidade de Itu foram construídos entre os anos de 1777 a 1780 na rua Direita (atual Paula Souza), no Largo da Matriz (atual Praça Padre Miguel) e na Rua do Carmo (atual Barão de Itaim), onde estavam concentradas as residências dos proprietários rurais, enriquecidos pela economia açucareira, a elite eclesiástica e o poder administrativo, com a presença do prédio da Câmara e Cadeia.

As pesquisa documental realizada nos Livros de Notas e nos Inventários possibilitou a realização de uma catalogação sistemática das casas existentes no período que vai do final do século XVIII ao inicio do século XX quer térreas ou sobrados, a identificação dos moradores e, também, informações acerca das técnicas construtivas empregadas.

Neste sentido, desenvolveu-se uma metodologia de trabalho a partir a partir da elaboração de uma ficha de coleta de informações, especialmente para compilação dos dados contendo os nomes dos compradores e vendedores e também uma informação completa do imóvel que está sendo comercializado, como nomes dos vizinhos, localização do imóvel e a descrição da construção ( sobrados ou casas térreas) e o material empregado na construção (taipa de pilão ou taipa de mão) e cobertura das edificações (telhas ou sapé).

Contudo, embora os Livros de Notas e seus registros de contrato de compra e vendas constituam numa fonte importante para o levantamento das edificações urbanas e seus moradores, especialmente para o caso ituano, onde toda a documentação produzida pela Câmara Municipal, órgão que tinha também a atribuição de registrar e conceder os terrenos para edificações foram destruída por um incêndio na década 80 do século XX, revelaram-se, para este trabalho, insuficientes para a complementação dos dados sobre a dinâmica da ocupação da Vila. Os registros de Notas possibilitou apenas o levantamento dos imóveis que foram efetivamente comercializados, sendo aqueles que foram transmitidos a outros proprietários pela execução de herança post-mortem não constam destes documentos e sim nos Inventários.

Como os Inventários e outros documentos cartorários são regidos por uma legislação específica e com terminologia normalizada são também constituídos pelas mesmas peças documentais, que reunidas numa sequencia pré-estabelecida dá a forma e autenticidade à ação. Nos inventários, por exemplo, pode-se encontrar além de ofícios, procurações, entre outros, uma descrição de todos os bens materiais destinados à divisão entre os herdeiros arrolados. È nesta relação de bens, que se encontram a descrição do imóvel e a localização dos imóveis pertencentes à herança e na Partilha dos Bens, o herdeiro que efetivamente ficará como proprietário do imóvel. Entre as informações importantes de um inventário para o levantamento do processo urbano pode-se destacar o seguinte:

-estado de conservação: prédio em construção, velhos, em ruínas etc.

- técnica construtiva: taipa de pilão, taipa de mão e cobertura de telhas ou sapé

- tipo de moradia (morada de casas térreas - morada de casas de sobrado)

- vizinhos (de cima, de baixo e dos fundos)

- localização (rua, largo, beco, etc). - móveis, objetos, utensílios, ferramentas, joias, roupas, etc. existentes na casa.

- na partilha de bens: para quem foi destinado o imóvel.

Assim, os registros de compra e venda dos Livros de Notas e os dados compilados nos inventários constituíram um corpo documental complementar para este trabalho, demonstrando fundamental na reconstrução da História Urbana e para recompor a trajetória de algumas residências construídas na época do enriquecimento da localidade pela economia açucareira, muitas delas já demolidas. Contudo, a pesquisa também indicou algumas dificuldades, pois um mesmo morador muitas vezes era proprietário de outros imóveis na mesma rua ou Largo, houve a necessidade de realizar o cruzamento de dados da trajetória dos imóveis vizinho, com a finalidade de se certificar que a edificação pesquisada era realmente sempre a mesma, Assim, catalogação sistemática realizada por esta pesquisa documental, permitiu a elaboração de algumas “biografias de sobrados” de propriedade de importantes senhores de engenho da vila e o conhecimento da configuração sociopolítica da Itu.


Biografia do Sobrado do Tenente João de Almeida Prado.

O sobrado pertencente a João de Almeida Prado, Senhor de Engenho, foi construído, provavelmente, na primeira metade do século XIX, pois, no ano de 1851 este edifício estava sendo arrolado entre os bens de seu inventário. Estava localizado no Pátio da Matriz, na esquina com o beco que descia para a Capela de Santa Rita, no mesmo alinhamento em que estava localizado o sobrado destinado a Casa de Câmara e Cadeia. A partir de 1851, este sobrado foi herdado por João Tibiriçá Piratininga (que presidiu os trabalhos da Convenção Republicana de Itu, em 1873). Construído de Taipa, de pilão foi considerado no inventário como um “sobrado grande”, possuía janelas envidraçadas com grades de ferro, forradas e pintadas. Em 1937 estava ali instalada uma casa comercial: “Casa Alberto” e, na década de 70, foi destruída por um incêndio.

Sobrado do Tenente Elias Antonio Paxeco da Silva.

O sobrado de Elias Antonio Paxeco da Silva, Senhor de Engenho, conforme seu inventário datado do ano de 1825 estava localizado na esquina do Pátio da Matriz com o beco que ia para a Capela de Santa Rita, defronte ao Sobrado de Tenente João de Almeida Prado. Este Sobrado, ainda em construção no ano de 1825, era de taipa de pilão, contava com sete janelas para frente do largo da Matriz e outras quatro janelas para a rua do Carmo. Conforme descrição do inventário, este sobrado tinha: beiral forrado, janelas assentadas, (...) “menos as folhas que só se acham feitas, como também as competentes grades de ferro, cuvigadas e o assoalho limpo por pregar, sem repartimento algum e só com algum tabuado de forro limpo e alguns batentes de dentro aparelhados, cunhais de pedra por assentar, escada do quintal quase concluída e alguma ferragem pronta, coberta de telha” . No ano de 1937 era seu proprietário Edgard Pereira Mendes. Esse mesmo edifício, na década de 50 do século XX, foi totalmente demolido.

Sobrado sede do Museu Republicano “Convenção de Itu”

Em 1824, a primeira informação sobre a existência do sobrado que atualmente sedia o Museu Republicano, indica que ele estava localizado na Rua do Carmo (atual Rua Barão de Itaim) e pertencia a Dona Josepha Maria de Góes Pacheco, proprietária de numerosos escravos, terras com plantações de cana de açúcar e engenho. Outra informação, datada de 1825, indica que este edifício havia recebido algumas benfeitorias, como a colocação de “molduras para o forro e cinco molduras em volta”, possuía “7 janelas na parte superior e 7 portas embaixo”.

Em 1829, com o falecimento de Dona Josepha, o sobrado foi disputado por sua filha Francisca Xavier da Fonseca e os outros herdeiros, Elias França, Francisco, Joaquim e Maria, netos de Dona Josepha, que eram órfãos de sua outra filha, Maria Josepha Cerqueira. Como solução e, após parecer favorável de peritos contratados, o sobrado foi dividido em duas habitações: uma delas para Francisca e a outra para os demais. A primeira ficou composta por 3 janelas (em cima) e 3 portas (embaixo); a outra, por 4 janelas (em cima) e 4 portas (embaixo).

Após esta divisão em duas habitações distintas, a parte do sobrado que ficou para os quatro co-herdeiros foi vendida, em 1833, para o Capitão Francisco de Almeida Prado e sua primeira esposa Maria Dias Pacheco. O Capitão Francisco era descendente de uma das primeiras famílias a receberem terras em sesmarias em Itu, proprietário de grandes extensões de terra, escravos e engenho de açúcar, A segunda parte, pertencente à herdeira Francisca, foi vendida, em 1839, primeiramente para Estanislau do Amaral Campos que, em 1843, a revendeu para o mesmo Francisco de Almeida Prado e sua segunda esposa, Anna Joaquina de Vasconcellos Noronha. Assim, em 1843 o Sobrado voltava a formar uma única habitação.

Em 1857, com o falecimento de Francisco de Almeida Prado, a residência ficou como herança para Anna Joaquina,que residiu neste edifício até o ano de 1866, quando também faleceu. Nota-se, através da descrição existente em seu inventário, que o sobrado havia passado por alguns melhoramentos internos, como colocação de papel de parede e instalação de lustres.

Em 1866, Carlos e Jose de Vasconcellos de Almeida Prado herdam este sobrado de sua mãe Anna Joaquina, Provavelmente foi no período em que estiveram como proprietários do imóvel que o mesmo recebeu a reforma na sua fachada, com a instalação de alguns adornos e o revestimento de azulejos portugueses . Foi, portanto, nesta fase, que em 18 de abril de 1873, que este sobrado sediou a reunião republicana presidida por João Tibiriçá Piratininga, presidente do club republicano local, para a formação do Partido Republicano Paulista – PRP. A reunião ficou conhecida como “Convenção de Itu”.

Nota-se que em 1890, Carlos Vasconcellos de Almeida Prado e sua esposa ,Olympia Fonseca de Almeida Prado, aparecem como os únicos proprietários do edifício que havia sido novamente modificado, com o assentamento de 7 portas no pavimento superior. Permanecendo as 7 portas já existentes no pavimento inferior, indicando que a reforma da parte inferior com a instalação das janelas hoje existentes, possivelmente tenha sido realizada por estes novos proprietários.

Em 1890, Carlos Vasconcellos, troca o sobrado por outro existente na Travessa da Matriz, canto com a Rua da Palma (atual Rua dos Andradas). Assim o sobrado anteriormente dos Almeida Prado passa a ser de propriedade de Francisco de Paula Leite de Barros.Em 1893, com o falecimento de Maria de Almeida Sampaio, esposa de Francisco de Paula e, em 1894, o do próprio Francisco, o sobrado foi herdado por 6 de seus sobrinhos. Em 1922, o venderam para a Fazenda do Estado de São Paulo para a instalação do Museu Republicano “Convenção de Itu”. Após reformas internas do edifício sob a supervisão de Affonso de E. Taunay, foi o Museu inaugurado em 18 de abril de 1923, como anexo à seção de História do Museu Paulista e, em comemoração ao 50º. Aniversário da “Convenção de Itu”.


Considerações finais e preliminares:

Este artigo é resultado parcial de uma pesquisa mais ampla que está sendo desenvolvida na Documentação do Museu Republicano “Convenção de Itu”/MP/USP, com os acervos cartorários existente na Instituição. O objetivo dessa pesquisa é acompanhar o processo de transformação urbana da antiga Vila de Itu no seu período de maior esplendor: do auge ao declínio da economia açucareira, reconstituindo suas ruas, becos, largos, os tipos de construções urbanas (sobrados e casarios), quem as habitavam, enfim, analisando aspectos do cotidiano urbano e de certa forma procurar entender a cidade de Itu no período denominado como a cidade do açúcar.

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