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Publicado: Quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Design Ecológico e Fraterno

Crédito: Paulo Dutra Design Ecológico e Fraterno
Núcleo de moradias na APA: falta de saneamento e acesso a água.

Lançada pelo Conselho Nacional das Igrejas Cristãs, o CONIC, no dia 10 de fevereiro, a Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016 tem como foco o Saneamento Básico.

A Campanha da Fraternidade é uma iniciativa da Igreja Católica no Brasil realizada há mais de 50 anos, sempre no período da Quaresma, tempo de reflexão que antecede a Páscoa.

O tema da Campanha - Casa Comum, Responsabilidade de Todos - é inspirado na encíclica Laudato Si, onde o Papa Francisco avalia o atual estado de degradação do meio ambiente e propõe ações concretas para superar essa realidade. Sobre a água, o documento afirma que “o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos" (30).

Segundo o CONIC, cerca de 100 milhões de pessoas não tem acesso ao saneamento básico no Brasil. E esse saneamento inclui os serviços básicos de abastecimento de água potável, o manejo adequado dos esgotos sanitarios, dos resíduos sólidos, o controle de reservatórios e dos meios transmissores de doenças e a drenagem das águas pluviais. O texto-base da CFE, documento que embasa as ações da Campanha, afirma que "acesso à água potável e ao esgoto sanitário é condição para se obter resultados satisfatórios na luta para a erradicação da pobreza e da fome, para a redução da mortalidade infantil e pela sustentabilidade ambiental". E que o conceito de "justiça ambiental" é parte integrante da "justiça social".

Mas como enfrentar esse cenário para além dos debates e da frieza das estatísticas?

Uma importante adesão à CFE 2016 veio da Fundação SOS Mata Atlântica, com uma petição pelo fim dos “rios mortos”, pela universalização do saneamento e por água limpa nos rios e praias do Brasil. A petição está disponível para assinaturas no link: http://bit.ly/saneamentoja.

Em Itu a SOS Mata Atlântica mantém o Centro de Experimentos Florestais, em parceria com Brasil Kirin, desde 2007, que se dedica à restauração florestal.

De fato, restaurar florestas parece ser um caminho indissociável da disponibilidade de água potável. Recuperar a cobertura vegetal de áreas degradadas favorece a infiltração e a recarga dos lençóis freáticos, além de reter superficialmente alguns poluentes. Mas isso não é tudo. É preciso evitar a contaminação das águas subterrâneas por agentes químicos.

A agricultura é a atividade humana que mais consome água. Produzir um quilo de alimento demanda alguns milhares de litros. Além disso, a produção agrícola convencional exige grande quantidade de herbicidas, defensivos e fertilizantes sintéticos. O resultado é a poluição de nascentes e cursos d'água, afora o impacto direto na saúde humana por conta de resíduos nas frutas, legumes e verduras.

A agroecologia propõe o cultivo orgânico como forma de minimizar estes impactos e oferecer alimentos saudáveis. Nesse contexto, os sistemas agroflorestais – SAFs - aparecem como alternativa real, combinando recomposição das florestas, recuperação de solos degradados, produção de água e comida limpas.

O biólogo Juã Pereira, produtor rural de Brasília, é um multiplicador de agroflorestas. Recebeu a missão das mãos férteis do suíço Ernst Götsch, plantador de arvores que transformou a paisagem de seu sítio no sul da Bahia e se transformou em referencia global em SAFs.

Götsch elaborou um conjunto de princípios e técnicas que viabilizam integrar produção de alimentos à dinâmica de regeneração natural de florestas: a Agricultura Sintrópica. No final de janeiro, Juã Pereira esteve em Itu para compartilhar sua prática agroflorestal com um grupo de produtores, agrônomos e universitários.

Nesse sistema, o produtor busca depender o mínimo possível dos insumos externos, utilizando resíduos orgânicos do sítio para formar canteiros: poda de grama e das árvores, cinzas, esterco. O solo deve estar sempre recoberto, conservando a umidade. No mesmo espaço podem conviver as verduras, o inhame, a mandioca, bananeiras, árvores frutíferas e até mesmo o eucalipto.

As bananeiras e árvores do sistema passam por podas periódicas e os restos vegetais são levados ao solo. Um ciclo permanente de reposição de matéria orgânica, proteção e conservação de água.

O curso com Juã foi realizado pelo Projeto Território Vivo em um sítio do Pedregulho. O projeto promove ações socioambientais neste bairro rural, Área de Proteção Ambiental Municipal.

A APA é uma unidade de conservação de uso sustentável, criada para proteger atributos locais como a paisagem típica e a microbacia do rio Piraí. A agrofloresta permite produção de alimentos e geração de renda, enquanto recupera a floresta, o solo e as águas. Nada mais adequado.

Mas a APA também sofre com a questão do saneamento: uma comunidade nas margens do rio não tem coleta de esgoto e o lixo é recolhido precariamente. E mais: em pontos diversos do território há poluição de córregos por esgoto de residências ou de criações e deposição irregular de lixo junto aos núcleos precários de habitação. O acesso à água potável também está comprometido e os relatos de infecções gastrointestinais ou dengue são frequentes.

O engenheiro civil Guilherme Castagna, usa o Design Ecológico para enfrentar questões deste tipo: banheiro seco, irrigação de árvores frutíferas com água cinza (proveniente da pia, tanque, chuveiro), pequenas estações ecológicas de tratamento de esgoto local, utilizando vermifiltros (minhocas), raízes de plantas aquáticas, compostagem e biodigestores, infiltração de água via jardins de chuva e armazenamento em cisternas.

As técnicas reúnem conceitos da engenharia e da permacultura - sistema de design que permite criar ambientes humanos sustentáveis e produtivos em equilíbrio e harmonia com a natureza – a “Permanent Agriculture” foi concebida por Bill Mollison, professor universitário australiano, nos anos 70.

Em São Francisco Xavier, na Serra da Mantiqueira, o Design Ecológico possibilitou a implantação de um sistema de tratamento de esgoto que atende uma pequena comunidade rural. As principais vantagens são o custo reduzido e a transformação dos resíduos em composto, através da ação das minhocas. Os resíduos caem num tanque onde a camada superficial é um ninho de serragem e minhocas. Mais abaixo, camadas de pedra e areia. O líquido resultante é drenado para irrigação de árvores.

Periodicamente o composto que se forma é removido e a camada de serragem e minhocas é reposta. O sistema não gera odores, zera o impacto ao meio ambiente e reaproveita nutrientes presentes no esgoto residencial.

Guilherme visitou a região em 16 de fevereiro, a convite do Território Vivo e assessorou uma atividade da CFE 2016 em Jundiaí. O projeto pretende avaliar soluções para saneamento na APA Pedregulho e o Design Ecológico parece oferecer resultados muito satisfatórios. Essas soluções, sistematizadas em forma de cartilha, poderiam ser multiplicadas entre moradores e implantadas em mutirão.

Tanto a agrofloresta quanto a permacultura propõe um novo desenho para nossa caminhada sobre o planeta. A observação dos ciclos naturais está presente em ambas: a água, o solo, as plantas, os seres todos, a teia da vida. A sintropia – que inspira a agrofloresta – aponta para a possibilidade de reorganização dos sistemas, em meio aos caos, repondo energia, garantindo sua preservação.

Aguçar o olhar e os demais sentidos para compreender esse cenário nos permitirá cuidar melhor da Casa Comum. Conhecer tecnologias sociais acessíveis e pessoas generosas que, dominando as práticas, não as reduzem a simples mercadoria, pode ajudar grupos e comunidades a enfrentar problemas ambientais e ter melhor qualidade de vida.

Um novo desenho, ecológico e solidário, traçado com fraterna responsabilidade por muitas e variadas mãos.

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