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Publicado: Quinta-feira, 1 de junho de 2017

Demonstrações públicas de vassalagem explícita

        “Em toda cidade esse homem, a cuja vontade cada um dos indivíduos submeteu sua vontade, tem um PODER SOBERANO, ou seja, a dominação. Este poder e direito de governar consiste no fato de terem os cidadãos transferido toda sua força e potencial para um homem. Assim agindo, abdicaram do seu direito de resistir. O cidadão chama-se súdito ou vassalo em relação àquele que exerce o governo soberano”. (adaptado de HOBBES, 1642:100).

         São Luís do Maranhão, março de 2017. Salão do café da manhã do Hotel Rio Poty.
Um cidadão bem vestido, de terno e gravata, sorridente e seguro, adentra o salão de café do hotel. Um grupo de doze pessoas se levanta e corre ao encontro do garboso personagem. Alguns aplaudem sua chegada. Seguem-se os apertos de mão, os abraços, os risos altos e, espanto, um beija-mão ruidoso e reverente.
Um líder religioso? Um patriarca da família? Um chefe de torcida organizada? Nada disso. Trata-se de uma cena de vassalagem explícita que assola o país, especialmente o Nordeste! O cidadão agraciado com tantas mesuras pelos vassalos fiéis é um político, detentor de um cargo público no governo local.

         “Em 1717, na outrora capitania de São Paulo e Minas do Ouro, um novo governador enviado de Portugal tomava posse e discursava. Tratava-se de D. Pedro Miguel de Almeida Portugal, 3º Conde de Assumar que em seu discurso, proferiu as seguintes palavras: (...); porque quanto mais um vassalo em servir seu rei se tem empenhado nas coisas que lhe alcançarão maior estimação e maior nome, tanto mais estimável, mais honrada e mais airosa é depois a sua obediência resignada, não porque depois de memoráveis serviços se solte a sua obrigação, que Deus impôs ao vassalo de obedecer ao soberano, como a vice-Deus na Terra, mas porque parece uma espécie de gratificação do príncipe não obrigar com tão forte obediência aos que por ele generosamente, e tantas vezes sacrificaram a sua vida; e por isso mesmo quanto mais respeitoso, quanto mais submisso é o vassalo, tanto mais cumpre com os divinos e humanos preceitos”. (SOUZA, 1999:37).

         Entre 1717 e 2017 passaram-se exatos 300 anos. Os costumes, porém, parecem não ter mudado. O que a Coroa Portuguesa, com sua estratégia de dominação das colônias havia imposto aos habitantes da terra conquistada além-mar, continua a vigorar. Mudou o soberano , o tempo, o lugar e o vassalo, mas segue a obediência cega. Na época da colônia o súdito obedecia ao soberano em troca de proteção e justiça. Nos tempos atuais, o chefe político concede ao subordinado uma série de favores preciosos, como um empreguinho público, uma verba de gabinete, um auxílio para a família, um favorecimento em uma concorrência pública, etc. Tudo pago com dinheiro do contribuinte trabalhador. E o político recebe os votos, eleição atrás de eleição, dos seus fiéis vassalos, perpetuando a relação de poder, que um dia será transferida ao seu filho.
É o ranço do feudalismo presente na democracia capitalista atual, agora travestido de populismo. Apesar dos avanços da liberdade do indivíduo, da livre iniciativa, da autonomia do cidadão e da igualdade entre os homens cravadas na Constituição, prevalece o sistema de relações espúrias na estrutura política e governamental brasileira. Uma das consequências é a formação de quadrilhas nas quais o capo político utiliza os seus vassalos para praticar e acobertar os crimes de corrupção que inundam o cotidiano do cidadão.
         O político maranhense, naquela manhã de março, teve mais um dia feliz de vassalagem. Recebeu presentes e elogios e fez promessas e concessões. Tudo como um verdadeiro soberano medieval. Despediu-se abençoando os seus fiéis vassalos que, de cabeça baixa, demonstravam respeito e devoção. E todos os demais presentes naquele hotel, trabalhadores e contribuintes, lamentaram mais uma vez ver o dinheiro de seus impostos jogado de favor nas mãos dos patéticos vassalos.

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