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Publicado: Segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Delícias Domésticas

Provocado por uma reportagem sobre refeições, veio-me à mente uma pergunta não muito original: o que foi feito com o tempo pela nossa sociedade moderna?
        
Embora se diga que “tempo é uma questão de preferência”, as pessoas parecem perder a cada dia não só o domínio sobre ele, como sobre suas próprias preferências.
        
Somos ou não os administradores do nosso tempo? Quais são os aspectos de nossa vida mais sacrificados? Sem dúvida, nossa convivência doméstica ocupa os últimos lugares em nossas prioridades. Não se tem tempo para os filhos, para as conversas tão necessárias; falta tempo para as refeições, para o descanso e até para o sono reparador. Que vida é essa? 
        
Por que o tempo dedicado ao convívio familiar é tratado como o menos importante? Será que nosso “lado doméstico” está-se deteriorando ou sofrendo mutações? Será que já não se gosta mais tanto da casa como antigamente?
 
Os encontros domésticos tornam-se cada dia mais raros e muitas vezes as pessoas se “sentem mal” dentro da própria casa. E olhem que são tantas as delícias domésticas! Lembraríamos aqui a confiança, a liberdade, a paciência, as exclusividades, o espaço, a vez e a voz assegurados...
 
Numa das cenas de um filme onde se vê claramente a pouca importância dada ao tempo familiar em função de outras demandas, aparece o diálogo do filhinho “negociando” um tempo da mãe para ler para ele um trecho de um livro de histórias e, é claro, levá-lo para a cama. Com muito custo, conseguiu dela o “direito” a três capítulos. Que felicidade a desse menino, já que a maioria nem isso consegue; todas as crianças reconhecem a delícia que é ser levado para a cama pela mãe ou pelo pai, fechando o dia com um último diálogo amoroso, sem pressa e, melhor ainda se recheado por uma historinha repousante. Um doce vício, cada dia mais raro e difícil de ser mantido...
 
Já que falamos em delícias, como classificar as refeições domésticas? Que delícia a hora do café da manhã: a família reunida troca idéias e planos para o dia que se inicia. Mesa posta, a primeira refeição do dia preparada com carinho e dedicação. Na mochila das crianças, o “lanchinho da mamãe”, de dar inveja a tantas lancheiras...
 
É uma pena que esse precioso tempo de convívio familiar esteja acabando. Como é triste e preocupante a manhã apressada e desordenada das famílias, cada um acordando e se virando por si, saindo mesmo sem café, sem lanche, sem um tchau, um até logo, um bom dia. É um momento sublime, uma grande oportunidade de oração, agradecendo o novo dia e pedindo para que seja mais um dia feliz.
 
Veja-se esta outra família: o filho come diante do computador com o prato literalmente embaixo do teclado, a mãe prefere o refúgio do seu quarto, o pai fica com a mesa da cozinha (parece o mais normal deles), a outra filha come diante da televisão e assim por diante. A mesa de jantar, belíssima, só foi usada por duas vezes... Mais chocante a declaração de uma filha: “quando estão juntos a situação fica meio estranha”... estranhos morando na mesma casa. Aonde vamos chegar?  
 
A sociedade consumista, insensível e predadora avança feliz e contente sobre os últimos tempos “ociosos” do homem moderno, que seriam destinados ao descanso e, é claro, ao convívio familiar. O fim de semana é literalmente consumido, fundindo-se à segunda-feira e quase nem é mais percebido. Quase tudo funciona, especialmente o comércio que aproveita para faturar sobre aqueles para quem a semana já é insuficiente.  
 
E a vida doméstica encolhe-se dia-a-dia... vive-se cada vez mais fora de casa. As crianças perdem o conforto e o sossego do lar, gostem ou não! Afinal, será que o futuro nos reserva uma “vida de rua”, por falta de opção ou “obrigados” pelas necessidades e desejos modernos? Veremos!
 
Em compensação, na reportagem referida no início, animou-nos uma família que resolveu começar uma reforma: com a dedicação de todos, criou-se a “terça-feira feliz”; nesse dia, invariavelmente, todos fazem a refeição juntos e, segundo eles, isso vem melhorando o relacionamento entre os membros da família, permitindo trocas de idéias e uma maior interação, conhecimento e interesse pela vida comum. Sem dúvida, já é alguma coisa...
 
Antigamente se dava mais valor à qualidade de vida e em especial à alimentação. A hora das refeições era respeitada. Se atentarmos para as casas antigas, vamos ver que o melhor e maior cômodo era a cozinha (ou copa-cozinha). Um lugar agradável e acolhedor, sempre com um cafezinho novo, um bolo, um pão caseiro... ali eram recebidas as visitas, ali conversavam...
 
Não está muito distante o tempo em que, pelo menos os finais de semana eram sagrados: não havia refeição sem todos reunidos. Difícil ou não, o fato é que acontecia como ainda acontece em muitas famílias em que as reuniões de final de semana são valorizadas.
 
No entanto, se houver algum esforço ainda é possível restaurar esses pequenos e saborosos hábitos. Se pelo menos uma refeição puder ser feita de modo tranqüilo com todos os membros da família, um grande passo já está dado. Vimos ainda na reportagem vários depoimentos de pessoas que reconhecem o valor da vida familiar mais compartilhada, embora se vejam muito “atrapalhadas” pela situação da vida moderna; ainda outros tantos reconhecem que é preciso reagir e criar alternativas para que isso volte a acontecer...
 
É preciso resistir, fazer nossa parte para
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