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Publicado: Sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Da Paixão e do Perdão

Crédito: Álbum de família. Da Paixão e do Perdão
"Passemos a eles o amor, a compreensão, o perdão"
“Deparamo-nos, em nossa existência, com coisas para as quais não há desculpa. Para as coisas indesculpáveis foi feito o perdão. Ao que não pode ser desculpado, perdoa-se!”
 
A vida que temos agora é resultado de nossa atitude no passado.
 
O futuro é construído a cada dia, em nosso dia a dia. Dos nossos diversos momentos é que retiramos o material para a construção do momento seguinte, ou seja, do nosso futuro.
 
A cada instante, construímos nosso instante seguinte.
 
Se amáveis, construímos uma vida de amor; se compreensivos, construímos uma vida de compreensão; se apaixonados pela vida, essa beleza infinita, construímos nossas paixões; e se perdoamos, construímos um mundo melhor para nós mesmos.
 
Jacques Derridá, filósofo francês, em sua última e derradeira visita ao Brasil, em agosto de 2004, chamou a nossa atenção para o perdão, e de como ele se apresenta em nossas vidas.
 
Perdoar o perdoável é perdão?
 
Derridá tinha uma visão profunda, e diferente, sobre o paradigma existente de que o perdão é para quem merece, ou pode ser perdoado.
 
Em um auditório lotado, no consulado francês do Rio de Janeiro, onde, por três dias participei do “Colóquio Derridá”, ao lado de uma centena de pesquisadores das relações e da comunicação humana, aquele filósofo, mesmo profundamente doente, falou por horas sobre o perdão, que é também tema de seu livro “De quel demain?” (De qual amanhã?) escrito em conjunto com a psicanalista francesa Elizabeth Roudinesco.
 
Em um ponto do livro, e também na palestra, ele cita como exemplo o Nelson Mandela, ativista sul africano pela liberdade, de quem foi tirado um terço de uma vida de 90 anos, ao ser esquecido em um fundo de prisão sul africana, com direito a todos os horrores daquelas prisões.
 
Encarcerado por suas idéias, Mandela deixou a prisão falando em amor, em perdão, sem pedir nada em troca, sem humilhar o vencido, ao contrário, estendendo-lhe as mãos de forma carinhosa e compreensiva.
 
O que teria acontecido se ele não tivesse perdoado? O que teria acontecido se ele tivesse conduzido a África do Sul a um “ajuste de contas”?
 
- Hoje, a exemplo do Brasil, aquele país passou a ser uma nação, na concepção da palavra, com olhos no presente e no futuro, em franco desenvolvimento.
 
Como estaria se Mandela não tivesse perdoado?
 
Mandela é um homem sempre sorridente, de bem com a vida.
 
Se ele não guarda mágoas, porque nós guardamos?
 
Como tirarmos proveito deste exemplo tão encantador para o ser humano?
 
O que acontece conosco quando não reconhecemos a imensa bondade que nos cerca, nos apegamos a coisas vãs, sem importância, e não perdoamos?
 
Voltando ao Derridá, no Rio de Janeiro, ele nos coloca a questão: Como lidar com o perdão, como lidar com casos como o do Mandela? Ou seja, como perdoar o imperdoável?
 
Ou, ainda, se algo é perdoável, qual a razão do perdão?
 
Ora, o perdão existe para aquelas situações extremas, para as quais não há justificativa, para os atos de barbárie, para os atos impensados.
 
Qual o valor de se perdoar o perdoável?
 
Antes de conhecer Derrida, escrevi sobre a desculpa: “Deparamo-nos, em nossa existência, com coisas para as quais não há desculpa. Para as coisas indesculpáveis foi feito o perdão. Ao que não pode ser desculpado, perdoa-se”!
 
Este assunto sempre chamou minha atenção, fascinou-me até, pode-se dizer, pois em seu cerne está, também, a questão da paixão.
 
Se há paixão, tem que haver o perdão! Para mim este não vive sem aquela, e vice-versa.
 
Só os apaixonados pelo semelhante, muitas vezes parceiras e parceiros de caminhada, podem perdoar e estender as mãos, auxiliado no soerguimento daquele que cometeu o “pecado” que deve ser desculpado, ou perdoado.
 
A discussão de Derridá é a nível universal, em relação aos inúmeros conflitos entre grupos e povos, muitas vezes seguidos da opressão, de toda espécie, em todos os cantos da Terra, incluindo-se aí os mais terríveis casos de agressão à humanidade, perpetrados pelos italianos, franceses e alemães, no passado, e pelos ingleses e americanos, na atualidade, ou por eles incentivados.
 
Considerando, porém, que cada ser humano é uma célula da sociedade, trazendo em seu DNA o exemplo do todo, a minha intenção é analisar o particular, o nosso dia a dia, a construção de nosso hoje, de nosso agora.
 
Aqueles que acumulam mágoas não são capazes de perdoar a outrem e a si próprios, iludidos pela idéia de perfeição, pela idéia de que não cometem erros graves.
 
Só não perdoa aquele que se vê como perfeito, ou que seus erros são sempre menores que os erros dos parceiros, dos companheiros de trabalho, dos irmãos, dos pais, dos parentes, dos professores, dos alunos.
 
Só não perdoa aquele que nunca experimentou uma paixão de verdade!
 
Os apai
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