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Publicado: Terça-feira, 21 de março de 2017

Cooked

Crédito: Netflix Cooked
Michael Pollan, série Cooked

Quando sua área de trabalho é tão ampla quanto Hospitalidade e Gastronomia, há, graças a Deus!, um número sem fim de assuntos. Eu amo essa liberdade, pra mim ela não tem preço!  Por isso, na coluna de hoje, o assunto é uma série que está na Netflix já há algum tempo. A dica é boa, pode acreditar.

Ontem revi um dos quatro episódios de Cooked, uma série baseada no livro homônimo de Michael Pollan. O livro foi publicado no Brasil em 2014 com o título Cozinhar, Uma História Natural da Transformação e é dividido em quatro grandes temas, os quatro elementos: fogo, água, ar e terra. A mesma divisão foi feita na série de documentários da Netflix. 
 
Como seu título em inglês sugere, o conteúdo é sobre cozinhar. Trata por excelência de comida. Comida de verdade, como diria Rita Lobo. O uso dos quatro elementos tem forte apelo comercial e funciona bem no imaginário das pessoas, gera curiosidade, mas, na minha opinião, seria desnecessário neste caso. 
 
Numa correlação que não é muito mais lembrada depois de transcorridos quatro ou cinco minutos de cada um dos filmes, o elemento fogo trata da preparação e da técnica do churrasco; a água evoca a  necessidade de panelas e a nossa memória da boa comida feita pela mãe em casa, enquanto o episódio da terra se refere à fermentação, numa certa forçação de barra para chegar à produção do chocolate e do queijo. Pulei um? Ah! Sim, um dos elementos: o ar. Mas foi de propósito. 
 
Em menos de uma semana, quis assistir ao capítulo que se refere ao ar. O motivo é que, pra mim, entre todos, esse é o episódio mais bem roteirizado, com melhor conteúdo e imagens mais atrativas, o que nem de longe desmerece as imagens e a edição feitas nos demais.  O assunto sobre o qual discorre: o pão.  Como poderia não me interessar? 
 
Michael Pollan é o apresentador dos documentários e, exemplarmente, transita do ambiente da cozinha para o dos laboratórios e das plantações de trigo, para explicar o que, culturalmente, esse alimento, o pão, representa para a humanidade há mais de 6 mil anos. 
 
Valendo-se de um roteiro didático e usando cenas plasticamente impecáveis, além de gráficos, mapas e ilustrações, o episódio explica o surgimento do pão e como ele se transformou em alimento vital para todos os povos. Aborda a relação existente na fermentação dos grãos moídos para a nutrição das pessoas e alguns tabus como o do controverso glúten, que vem sendo tomado como um grande vilão para a saúde humana nos últimos anos. 
 
O pão, embora feito de ingredientes simples e fáceis de encontrar, é o resultado de um trabalho de cooperação entre os homens. Entre o semear o trigo e o comer o pão, há um extenso caminho a ser percorrido e observado carinhosamente, o da produção em conjunto. Muitos são os envolvidos no processo de arar a terra, semear, regar, colher, separar os grãos, moê-los para que se tornem farinha e então levedar para que, em harmonia perfeita com as bactérias do ar, se transformem em fermento e façam com que o pão cresça. Não sem antes a farinha ter sido molhada e sovada no ponto exato para que se transforme em massa. 
 
Pensando bem, não há muita simplicidade nisso tudo. Mas ainda assim o pão é simples. 
 
Quando disse que achei que a associação dos elementos aos títulos dos filmes meio desnecessária foi porque, embora haja alguma relação entre fogo, terra, ar e água e os alimentos escolhidos como temas, Michael Pollan, um pesquisador, escritor e ativista da comida, é tão respeitado e (na minha modesta opinião) tão brilhante em suas publicações que poderia simplesmente escolher os temas sem precisar associá-los aos elementos.  
 
Em resumo, o pão está no capítulo ar  porque é etéreo devido às moléculas de gás carbônico, ou, podemos chamá-las, de moléculas de ar presas numa estrutura parecida com uma teia de aranha elástica que é o glúten, fruto da sova e do contato da farinha com a água.  
 
A abordagem poderia ser outra? Até que sim, mas isso não é o que vai depor contra o filme, uma vez que ele, além de informativo, guarda poesia quando evoca a cumplicidade existente entre os padeiros caseiros ou não, Como Michael Pollan e eu, todos os que buscam respeitosamente a técnica e a arte de preparar o pão de fermentação natural são potencialmente cúmplices de uma alegria de viver. 
 
Num determinado momento, o autor do livro e apresentador  conta sobre como se sentiu intimidado diante do aprendizado do pão. Mais tarde, segurando um pão recém saído do forno, ele diz algo mais ou menos assim: "fazer pão foi a minha maior realização desde que resolvi aprender a cozinhar". Minha identificação foi tanta que confesso que chorei. 
 
Recomendo aos que amam a arte culinária e valorizam o pão, seja lá de que forma for, se produzi-lo ou só para comer, uma noite dessas, se dê ao direito de ver essa beleza de episódio de Cooked. São só 58 minutos de aprendizado. Quanto ao resto, você forma a sua opinião sozinho, claro! 
 
 
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Sugestões de leitura
 
Do autor Michael Pollan: Cozinhar - Uma história natural da transformação (2014), Regras da Comida - Um manual da sabedoria alimentar (2010), Em Defesa da Comida (2008) e O Dilema do Onívoro (2007), todos da editora Intrínseca, todos em português. Dá pra se divertir. 
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