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Publicado: Domingo, 18 de julho de 2010

Conhecer a si para melhor trabalhar com o outro

Conhecer a si para melhor trabalhar com o outro
A mulher no espelho, Pablo Picasso

Confesso-me fascinada pelo desenvolvimento humano. ACREDITO, com letras maiúsculas, que as pessoas, todas as pessoas, independente de raça, idade, credo ou classe social, são capazes de aprender sempre.  São capazes de evoluir mente e sentimento num processo contínuo de desenvolvimento. Por isso sou Pedagoga: gosto de pesquisar e descobrir caminhos que possibilitem ao indivíduo uma relação significativa no processo da sua aprendizagem. As escolas que realmente visam o aprendizado revelam no exercício diário a certeza de que o aluno pode melhorar sempre... E se preparam para isso. 

Mas o tema que realmente me fascina e que determina conduta ética e postura profissional é a crença no poder da transformação pessoal em qualquer fase da vida, principalmente na fase adulta e madura. Aliás, é essa crença que me permite acordar diariamente, vencer os desafios do trabalho e as adversidades da vida e, ainda, me garante esperançosa. E nesse ponto é bom que se ressalte: a esperança a que me refiro não tem nada de ingenuidade.  Felizmente já superei o olhar ingênuo da juventude. Apesar da beleza e encantamento que esse olhar nos empresta, ele cega a realidade e nos conduz ao erro. 

A esperança destas palavras tem, sim, muito de entusiasmo e otimismo no processo de crescimento daqueles que se permitem reflexivos no desenvolvimento pessoal. Nesse sentido, a educação escolar muito poderia ajudar.  Paulo Freire, e ao citá-lo invade-me uma imensa saudade da sua existência, repetia incansavelmente que só a educação transforma e liberta o homem da opressão social. Mas não a educação feita de escolas nas quais o aluno simplesmente memoriza o conteúdo acadêmico para tirar notas nas provas e passar no vestibular. A escola capaz e promotora da libertação freiriana é a que possibilita ao aluno a compreensão de sua própria realidade e de seu fortalecimento como pessoa, de modo a ser capaz de transformá-la. 

Em outras palavras, é a escola que cuida das relações humanas... E que compreende que mais do que tarefas, conteúdos e fórmulas, as ciências refletem o conhecimento da humanidade. Por isso humaniza a relação, o tempo e o espaço da aprendizagem. Cria sentido, significado e desejo por aprender e conhecer.  Faz da ciência um meio e não um fim, do conteúdo acadêmico a estratégia e não a meta. Dos livros e das tarefas ferramentas para construção de competências e habilidades. É a escola que deixa lembranças e não marcas... Que reforça no seu aluno a capacidade humana de superação, persistência, vontade e poder. É a escola que não desanima e não se queixa; que não transfere para famílias suas responsabilidades; que não desiste dos seus alunos, não cria ansiedade demais ou crenças infundadas de um tempo que já mudou. Que olha para todos e para cada um. Respeita a subjetividade no processo de aprender e acredita, com a mente e o coração, que todos, TODOS OS ALUNOS, são capazes de evoluir, crescer, transformar e aprender sempre. 

Será que essa escola existe? 

Ter pisado o chão da escola diariamente, primeiro como aluna, depois como profissional, durante 40 anos, me deixa tranqüila, embora cuidadosa, para dizer que infelizmente essa escola ainda não existe. Alguns a desejam, outros tantos trabalham por ela persistentemente. Mas estamos muito no começo.  Conheço e reconheço o gesto, a intenção e o discurso dominantes na prática escolar... De aluna a professora, de professora a coordenadora, de coordenadora a diretora e de profissional a mãe de aluno, aprendi a ver e a sentir a escola de todas as maneiras e dos mais diferentes pontos de vista. 

Por isso chamo a atenção para os segredos das salas de aulas. Para as marcas veladas e deixadas nas histórias de vida dos nossos meninos na relação professor e aluno.  Assim como na relação pai e filho, amantes e companheiros, também na relação professor e aluno mora a essência do autoconhecimento. É preciso conhecer a si mesmo para respeitar o outro; ser capaz de mudar a si mesmo para acreditar e, portanto, colaborar com a transformação do outro. Na era do conhecimento é muito comum professores investindo no aperfeiçoamento do domínio técnico, o que é importantíssimo, diria essencial, mas desprezando a filosofia, a sociologia e a psicologia do desenvolvimento humano. Não há sucesso pedagógico se o educador não transformar seu discurso em atitude, sem conhecer profundamente seu aluno e sem acreditar que todos são capazes.  

Ainda que o caminho do autoconhecimento nos provoque dor e reflexão, não há possibilidade de melhoramento educacional sem esse percurso. Afinal, não há aprendizado sem afetividade, sem sentimento e sem esticar o olhar ao outro.

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