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Publicado: Sexta-feira, 4 de agosto de 2006

Chacina

Banalizada, violência urbana gera indiferença no cotidiano das grandes cidades


Sete mortos e seis feridos foram o saldo da chacina praticada contra moradores de rua, em São Paulo. Na madrugada de 20 de agosto de 2004, policiais militares encontraram o primeiro corpo no centro da capital paulista. Em menos de três horas, outros nove foram localizados, todos com o rosto desfigurado por um único e certeiro golpe. Dois dias depois, mais três somaram-se aos anteriores.

No bairro da Liberdade, a moradora de rua Maria foi a sexta vítima. Há dois dias dormia por ali, sem dizer de onde vinha ou que rumo tomaria. No dia seguinte estava morta. Seus pertences amanheceram sujos de sangue e espalhados pela calçada: uma sacola xadrez, um pente fino, um xale lilás, algumas blusas e panfletos de candidatos a vereador e à prefeitura da cidade. Sheila, ocupante do local, afirmou que não percebeu nenhum movimento estranho à noite. Os vigias da revendedora de automóveis ao lado do local do crime, também disseram não ter visto nada. No total, treze moradores de rua foram agredidos enquanto dormiam. Dos mortos, quatro tiveram a identidade reconhecida. Os demais ganharam uma nova: tornaram-se 3309, 3328 e 3333, vítimas enterradas no cemitério de Perus, na Zona Norte.

Trinta dias foi o prazo prometido para a solução do caso, pelo secretário da Segurança Pública. Mais de duzentas testemunhas foram ouvidas e os únicos suspeitos detidos na ocasião - dois soldados e um segurança - foram postos em liberdade por falta de provas, segundo justificativa do Ministério Público.

Em outubro de 2005 foi apresentada a denúncia e o pedido de prisão preventiva de seis pessoas. Cinco policiais militares e um segurança foram acusados, não só de assassinato, como também pelos crimes de formação de quadrilha e associação para o tráfico de drogas. A denúncia foi rejeitada com a alegação de insuficiência de provas.

No Brasil, o processo de colonização e desenvolvimentos humano, econômico e político não favoreceu a promoção de uma cultura de direitos humanos, deficiência que exige esforços e participação permanentes da sociedade e de todas as instâncias do governo.

A Constituição de 1988 estabeleceu a mais detalhada Carta da história do País, onde todos os direitos civis encontram-se identificados. Em 95, o governo promoveu uma ampla consulta à sociedade iniciando a formulação do Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH. A partir dessas conquistas e de um novo arcabouço legal e programático, os Direitos Humanos tornaram-se um compromisso do Governo Federal e passaram a ser conduzidos como política pública.

Vinte meses após a chacina dos moradores de rua do centro de São Paulo, entidades de direitos humanos, organizações sociais e religiosas continuam a promover atos de repúdio às agressões cometidas e à impunidade. Em São Paulo há cerca de 15 mil moradores de rua. A maioria já teve carteira assinada e residência fixa. A miséria é apontada como um dos principais fatores do êxodo social. No entanto, moradores de rua não pagam impostos, não têm representação e não rendem votos. Quando vivos, pouco interesse despertam. O que dirá depois de mortos.

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