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Publicado: Terça-feira, 13 de outubro de 2009

Apaixonados

A pequena nota publicada na primeira página do periódico “Município de Ytu”, de 12 de março de 1916, pouco revela. Sob o título “Ratoeira”, dá conta de que os jovens Antonio de Oliveira Rocha e Isolina Martins Ribeiro haviam fugido da fazenda Ingá-Mirim (Estrada Apotriba, Bairro Pedregulho), três dias antes.

Com o termômetro na marca dos sete graus e meio, os dois foram encontrados perambulando pela cidade. A polícia que “não gosta de ver pessoas estranhas a palmilhar pelas ruas, sem uma ocupação certa (e) diante da queixa feita pelo pai de um dos jovens, tratou de legalizar a vida dos fugitivos, depois de remover o impedimento que trata o parágrafo 6º do art. 7º do Decreto 181, de 24 de janeiro de 1860” (sic). O Decreto, na verdade, é de 1890. É provável que a precariedade na composição dos jornais da época tenha levado o tipógrafo a trocar o número 9 pelo 6.

O obstáculo citado pela polícia ituana referia-se à proibição do casamento do “raptor com a raptada, emquanto esta não estiver em logar seguro e fóra do poder delle” (sic). Numa época de disputas político-religiosas, controle moral e casamentos arranjados, fugas e raptos eram meios empregados para escapar às regras.

De autoria de Ruy Barbosa, o polêmico Decreto nº 181, que reconhecia como legal somente o casamento civil, foi regulamentado pelo governo provisório da República. Uma de suas finalidades era a de retirar os poderes da Igreja Católica sobre a nupcialidade, com a separação entre Estado e Igreja. Outros temas como a liberdade de culto, o casamento civil e sua extensão aos não-católicos (casamentos mistos) e a secularização dos cemitérios faziam parte do pacote de medidas.

O clero considerou a nova ordem como uma afronta aos direitos dos católicos e um atentado à liberdade da sociedade. A união civil era vista como uma ofensa aos bons costumes da família cristã. O repúdio à nova lei foi veiculado em jornais e revistas católicas nacionais, nas homilias e nos lembretes afixados nas matrizes.

Não foi à toa que houve tanta gritaria. O matrimônio havia adquirido um significado específico para a população: sem as bênçãos da Igreja, o casal viveria em pecado e sem reconhecimento social. Além disso, o casamento religioso propiciava arranjos políticos, além de preservar os interesses familiares.

Procurados no século 21, Antonio e Isolina não deixaram rastros nas fazendas ituanas desmembradas da velha Ingá-Mirim. Torço para que tenham sido felizes.

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