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Publicado: Quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A sexta taça

Crédito: Domínio público A sexta taça

 

Foi naquele distante rèveillon que eu a perdi. A desastrada amiga a deixou cair, transformando-a num amontoado de cacos. Lembro-me que balbuciei algo, quando o sorriso amarelo da moça me devolveu à posição de anfitrião.

- Não se preocupe. Está tudo bem - disse-lhe eu.

A taça se foi e o dissabor ficou – relembrado ao longo dos anos, e de todas as vezes em que mexi onde a guardava.
 

Há tempos comprei um pequeno armário. Na mesma ocasião, trouxe da casa de minha mãe algumas coisas que ela não mais usava - entre elas, taças de champanhe. Eram seis, de vidro muito fino e delicado, que contavam histórias de celebrações – do seu casamento com meu pai - e de outras mais.
 

No pequeno armário elas dividiam espaço com diferentes tipos de cálices, meticulosamente arrumados aos pares. Desde que a perdi, a solitária ficava lá, perdida, bem no fundo da fileira.
 

Uma reforma na casa me obrigou a esvaziar o armário, para que pudesse ser arrastado. Cuidadosamente retirei tudo o que havia nele e coloquei em um local seguro. Não deixei de notar a solitária taça quando olhei, incomodado, para o quinteto.
 

A reforma se prolongou por muito mais tempo do que imaginei, criando um cenário de terror. Pó por todos os lados, móveis empilhados, tapetes e cortinas removidos. A própria manifestação do caos.

Eis que chegou o grande dia em que tudo ficou pronto. Restava devolver os móveis e objetos para seus lugares.
O pequeno armário retornou ao seu canto, juntamente com seu conteúdo.
 

Ao recolocar as taças de minha mãe, olhei perplexo. Contei e recontei. Verifiquei se eram todas iguais, e comprovei que sim. No entanto havia algo de novo: não eram mais um quinteto. Ao recontá-las pela enésima vez, encontrava sempre o mesmo número – seis - como no passado.

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