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Publicado: Sexta-feira, 10 de março de 2006

A Quaresma e a nossa vida

"Convertei-vos e crede no Evangelho!"

"Ninguém tem maior amor do que aquele que reparte sua vida com os outros."

A quarta-feira de Cinzas é um divisor de águas; deixa para trás o Carnaval, a maior manifestação profana dos tempos modernos; uma apologia ao deus pagão do prazer, com direito a exageros, estravagância e abusos de toda ordem; uma folia e tanto; bebida e outras drogas ainda mais fortes; tanto suor, tanta euforia, tanto apelo, tanto culto ao corpo, muito erotismo e muito sexo e, como não poderia ser diferente, muita desordem moral, muito estrago, muitas seqüelas e conseqüências desagradáveis.


Cinzas abre um novo tempo, a Quaresma, preparação para a grande festa do cristão, a Páscoa. Um tempo voltado para a vida em sua plenitude, especialmente em sua dimensão espiritual.

Essa preparação vai requerer mudanças e é exatamente o que as Cinzas - impostas com as palavras "Convertei-vos e crede nos Evangelho!" - , representam: nosso compromisso com Cristo, com seu Evangelho, com os irmãos e com as mudanças necessárias em nossa vida.

Por isso a Igreja investe fortemente na Quaresma, quarenta dias para o cristão repensar sua vida interior, sem angústias e tristezas; tempo de recolhimento e reflexão; de alegria, de Fé e de Esperança; tempo de repensar nossa prática da Caridade; tempo de arrependimento, reconciliação, perdão.

Mudar, ou melhor dizendo, reordenar a vida, renovar-se interiormente. Quem não precisa? No entanto, mudar não é fácil, requer esforço e determinação; sair do conformismo, da acomodação. Confiança em Deus, no seu imenso Amor e em sua infinita Misericórdia.

Será sempre necessário vencer barreiras tanto externas como internas, estas últimas as mais difíceis. Requer humildade para aceitar limitações; é preciso vencer a soberba, o orgulho, a arrogância, tentações para viver independentes de Deus e distanciados dos irmãos. É preciso aceitar a advertência: " És pó e ao pó voltarás...".

Oração, penitência e caridade: são estas as nossas "armas" para uma frutuosa quaresma.

Antes de tudo, uma vida de oração, condição indispensável para o encontro com Deus, que acaba com a solidão espiritual. Rezar é conversar com Deus, dizer que o ama e que quer estar com Ele. Orações pessoais e comunitárias, particulares, de pedidos e agradecimentos; orações para os outros... Uma força e uma ajuda, silenciosa, mas eficiente.

Penitências, sacrifícios... pequenas mortificações praticadas nas circunstâncias cotidianas: incômodos, contratempos encarados com aceitação e alegria nos ajudam muito, como também algumas renúncias, mesmo de ordem material, que educam para o desapego e o desprendimento. Jejum de alimento e de maus hábitos, abstinência de carne ou de algo de que gostamos muito; ser amável com quem "não somos afins", ter paciência, ser mais tolerantes com nossos colegas de trabalho são sacrifícios porque nos custam. Aliás é bom que se diga que sacrifício não significa sofrimento, mas "fazer sagrado", isto é, oferecer por amor a Deus e aos irmãos.

Nas palavras de João Paulo II, “os gestos exteriores de penitência têm valor quando expressam uma atitude interior, manifestam a firme vontade de afastar-se do mal e percorrer o caminho do bem”.

Sem dúvida, o tempo quaresmal é de treinamento espiritual, através, principalmente da oração e da penitência; no entanto, o cristão deve ser também homem de ação, por isso o objetivo último serão sempre os gestos concretos de Caridade, de serviço generoso aos irmãos. Abrir-se ao outro, interessar-se pelo nosso irmão e mesmo compadecer-se dele, é algo muito nobre e valioso para nosso crescimento espiritual, como está escrito nos Atos dos Apóstolos (20, 35): "A felicidade está mais em dar do que em receber." Por isso a quaresma acaba tendo um apelo prático de "atenção e serviço generoso aos necessitados" e aproveita a Campanha da Fraternidade nesse rumo. Ao desenvolver um tema, como o deste ano - FRATERNIDADE E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA - deseja-se sensibilizar, especialmente os cristãos, para as responsabilidades sociais que temos com um mundo melhor, mais justo e mais viável para todos, onde haja oportunidades iguais, respeito à dignidade e apoio para um crescimento e realização pessoal.

Dom Odilo P. Scherer lembra que a campanha deste ano interessa amplamente a população; haja vista que o censo de 2000 revelou que no Brasil há mais de 25 milhões de pessoas com alguma deficiência. E todos nós estamos sujeitos a adquirir alguma deficiência ao longo da vida, por doença, acidente ou outra causa.


A história da Campanha da Fraternidade revela seu importante papel na tarefa de colocar em prática a caridade e ajuda ao próximo, a partir de sua proposta de ações comunitárias. Torna-se, portanto, um forte instrumento no desenvolvimento do "espírito quaresmal de conversão e renovação interior".


Nessa caminhada para a Páscoa de Cristo, e também nossa, passaremos pelas celebrações do mistério da sua paixão e morte. Por isso a Quaresma é igualmente um tempo de fortalecimento de nossa fé e de revalorização do Amor de Deus por nós que entregou seu Filho para nossa Salvação.

O Papa Bento XVI, na quarta-feira de Cinzas, lembrou: "A Quaresma impulsiona-nos a deixar que a palavra de Deus penetre em nossa vida para conhecer assim a verdade fundamental: quem somos, de onde viemos, aonde devemos ir, qual é o caminho que temos de seguir na vida."

Ainda, conforme ensinamentos de João Paulo II, a conversão é algo profundo e pode ser "entendida" na parábola do filho pródigo, que se afasta do Pai e esbanja sua vida; que se conscientiza, se arrepende, vence a vergonha, o desânimo e retorna aos braços do Pai.

Como vemos, sem conversão o Reino de Deus não acontece. Todos precisamos mudar: povo e governantes, empregados e patrões, pais e filhos, pobres e ricos, leigos e religiosos...

Queremos mudar. Falta-nos muitas vezes um propósito, um plano, uma ordenação. Que o nosso bom Deus nos ajude a aproveitar esta quaresma para destruir o homem velho que há dentro de nós, cheio de raiva, ódio, vingança; acomodado, indiferente de coração, individualista e egoísta e que possamos, ao final, como o próprio Cristo, ressuscitar na Páscoa, renovados e livres dessas amarras que nos escravizam.

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