Colunistas

Publicado: Segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A ironia do destino

Severina e Mariana eram muito amigas. Estavam sempre juntas e trocavam segredos como todas adolescentes.  

Mariana tinha um namorado, Jorge, mas seus pais não aprovavam o namoro. Achavam que ele não estava à altura da sua filhinha.
 
Naquele tempo, filha de família conservadora e pais severos, Mariana só freqüentava lugares selecionados, sempre acompanhada e tinha poucas oportunidades de encontrar-se com o Jorge.
 
Severina era mais livre e frequentava todos os lugares que eram proibidos para Mariana. Era ela que levava e trazia os bilhetinhos para o Jorge e marcava os encontros fortuitos.
 
Sabia todos os pormenores do namoro da amiga. Namoro discreto, bem nos moldes da época.
 
Mas, um belo dia, Mariana teve uma desagradável surpresa: descobriu que sua melhor amiga a estava traindo.
 
Severina e Jorge vinham se encontrando já há algum tempo e quando ela engravidou foi um escândalo.
 
Os dois casaram-se rapidamente. Não deu nem tempo de Mariana assimilar o que estava acontecendo, mas ficou muito magoada e desde então passou a odiá-los como nunca tinha imaginado que fosse capaz de odiar alguém...
 
O casamento de Severina durou pouco. Jorge abandonou-a e desapareceu deixando-a só com o filho para criar.
 
Naquela época, uma mulher separada era muito mal vista e Mariana acabou de rotular a ex-amiga: Uma desclassificada de quem ela tinha que esquecer que um dia fora tão íntimo.
 
Passou o tempo.
 
Mariana casou-se muito bem, foi muito feliz no casamento e teve uma linda filha a quem deu o nome de Maria Aparecida.
 
Foi quando a Cidinha, vinte anos mais tarde, arranjou seu primeiro namorado que a antiga história voltou à tona, pois o rapaz era, nada mais nada menos, que o filho da Severina.
 
Que ironia!
 
Mariana fez tudo o que pode para evitar o casamento. Conselhos, lágrimas, chantagem, castigos, brigas, mas nada funcionou.
 
- Você não pode casar com ele! A mãe dele não vale nada.
 
- E daí? Que culpa ele tem disso?
- Teve péssima educação, até o nome dele é ridículo, Eslytes! Isso lá é nome de gente? Com tantos nomes cristãos, bonitos, por um nome desses numa criança, só mesmo dois idiotas com a Severina e o Jorge!
 
- Ele podia chamar-se Francisco de Assis, João Batista, Luiz Gonzaga... mas, que diferença fazia se ele tivesse um desses nomes?
 
E por ai afora rolava a discussão entre mãe e filha, mas, Maria Aparecida e Eslytes estavam apaixonados e dificilmente os argumentos de uma mãe são ouvidos, principalmente quando a filha acha que é só implicância, que não existe nenhum motivo mais sério.
 
Já então os pais estavam perdendo o domínio sobre os filhos e, mesmo nas famílias mais tradicionais, as moças lutavam pelo que queriam e acabavam vencendo.
 
E realizou-se o casamento.
 
Muito a contragosto, Mariana foi obrigada a participar da cerimônia religiosa ao lado da Severina.
 
Até o Jorge ressurgiu das sombras e apareceu para a festa do filho e Mariana teve que entrar na igreja ao lado dele já que, de acordo com o protocolo, o pai do noivo acompanha a mãe da noiva no cortejo da entrada.
 
Mariana achava que Severina e Jorge estavam empanando o brilho da linda festa que preparara para o casamento da filha, estava inconformada, mas, fazer o que? Eles eram os pais do noivo!
 
Cada vez Mariana odiava mais os dois, entretanto. De agora em diante eram quase parentes e iam ter que conviver algumas vezes.
 
Mariana aconselhou Maria Aparecida a manter a maior distância possível da sogra, mas, para seu desgosto, Severina vivia metida na casa dos recém casados.
 
Mariana não podia nem fazer uma visita á filha, pois cada vez que chegava lá encontrava a outra, muito a vontade, como se estivesse em sua própria casa.
 
Aquilo a enchia de raiva e de ciúme, pois estava percebendo que a sua filhinha estava se afeiçoando a ela.
 
- Severina era prestativa. Estava sempre pronta a acertar uma barrinha de calça, passar uma camisa ou fazer um bolo e a Cidinha achava natural que ela procurasse por eles, pois era muito só, o Eslytes era seu único filho e ela tinha vivido a maior parte de sua vida exclusivamente para ele.
 
O casalzinho resolveu fazer uma viagem para comemorar o seu primeiro aniversário de casamento.
 
A mãe de Cidinha achou ótimo. Passar uns dias juntos em um lugar romântico, como uma segunda lua de mel, era, na opinião de Mariana, o melhor que a filha podia fazer.
 
- Assim, pelo menos, eles ficam livres da presença de Severina, por alguns dias, pensou.
 
Qual não foi, porém a sua surpresa quando a Maria Aparecida contou que a sogra ia com eles.
 
- Que absurdo! Essa mulher não tem desconfiômetro! Você vai ter que agüentar essa intrometida tirando sua privacidade, atrapalhando seus programas. Que droga!
 
Se assim pensou, assim o disse a filha que retrucou:
 
- Ela não vai atrapalhar nada. Nós a convidamos porque ela é muito só. Se não for conosco nunca terá outra oportunidade de viajar.
 
E acrescentou com uma pontinha de ironia:
 
- Você não quer ir também?
 
- Eu nunca aceitaria um convite desses! Detesto a sensação de estar sobrando em algum lugar.
 
- Mas é diferente. Você tem o Papai, tem amigos, tem dinheiro, não precisa de nossa companhia para passear. Ela, não.
 
Apesar dos conselhos e considerações da mãe, Cidinha manteve o convite e lá se foram os três comemorar as bodas de algodão de Maria Aparecida e Eslytes.
 
Mariana ficou em brasas. Não se conformava com a idéia da filha fazendo uma viagem romântica com a sogra a tiracolo.
 
Alguns dias se passaram. Aparecida telefonava, mandava postais e dizia que a viagem estava sendo maravilhosa.
 
Mas uma noite recebeu um telefonema preocupante.
 
Era Severina quem falava e dizia coisas horríveis. Contava que Cidinha e Eslytes haviam sofrido um acidente e estavam muito machucados, internados em um hospital do outro lado do Mundo.
 
Mariana ficou desesperada, mas só dois dias depois conseguiu chegar ao local.
 
Severina veio ao seu encontro. Estava desfigurada, chorosa, sofrida.
 
De repente nada mais tinha importância para Mariana.
 
Mágoas, preconceitos, implicâncias, ciúmes, tudo foi ficando pequeno até dissolver-se naquele mar de dor, de angústia e de apreensão que, de repente, a reaproximava de Severina.
 
Eram duas mães aflitas temendo pela vida de seus filhos.
 
Abraçaram-se chorando e Mariana só pode sussurrar:
 
- Ainda bem que você estava com eles!