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Publicado: Sábado, 3 de fevereiro de 2018

A Ética dos Afetos

A Ética dos Afetos

Fala-se muito em responsabilidades sociais, responsabilidades com relação ao cuidado com a natureza, responsabilidade ética no trabalho, no entanto, penso que há uma carência expressiva no que diz respeito às responsabilidades afetivas.

 

A vida é repleta de pessoas que cruzam nosso caminhar, por vezes, constitui-se família, tem-se filhos, cria-se laços que vão além da materialidade. Qual seria então a responsabilidade de cada um na felicidade do outro? Por que não é comum se falar na responsabilidade afetiva que temos na relação com outras vidas?

 

Namoramos, vamos morar juntos, entramos na vida das pessoas machucados, carregados de uma história que às vezes não é assim tão gratificante. Projetamos no outro nossos medos e desafetos e continuamos desse modo, ilhados numa realidade paralela, sem entender que somos o resultado inevitável de tudo aquilo que nos constitui enquanto pessoas, a soma de todos os nossos afetos.

 

Qual seria a ética dos afetos? Como deveríamos proceder quando o assunto é a mágoa que causamos no outro? O dano provocado na dinâmica da vida de outras pessoas?

 

Costumo pensar que talvez a resposta passe pela ideia da verdade: a ética da verdade. Quando não sabemos, não devemos transparecer certezas. Quando não queremos, não devemos dizer que sim. Quando as expectativas repousam numa realidade que está muito aquém do que temos em nossas mãos, não deveríamos acalentar falsas esperanças. E mais, não deveríamos desistir das pessoas do mesmo modo e com a mesma facilidade que nos desapegamos de um sapato velho.

 

Os tempos modernos têm uma tendência a coisificar tudo, todavia, é um grande equívoco estratégico coisificar as pessoas e as relações. Porque uma verdade inquestionável da existência humana é a de que as pessoas são únicas, inigualáveis, insubstituíveis, e estando ou não ao nosso lado hoje, deixam marcas eternas na nossa essência; elas estão conosco a todo momento, em todos os lugares, nos novos trajetos, em novas histórias.

 

A vida nos afetos que construímos nos definem enquanto seres de cultura e de futuro. Seres apegados à própria vida e a existência. Criadores de laços, de raízes estruturais, articuladores de marcas e cicatrizes históricas. Os afetos nos movem e nos identificam com nossa singular e volátil passagem nesse mundo.

 

A espécie criadora dos significados afetivos. A espécie que evolui e modifica a função, a importância e o valor das coisas da vida e do mundo. A espécie que não se contenta com a realidade inevitável da morte e, sendo assim, constrói vínculos eternos através dos afetos e das relações que estabelecemos com tudo ao nosso redor. A espécie que criou o amor e continua tentando entender seus significados e seu valor.

 

A ética dos afetos como um princípio norteador da ação em prol da vida, do equilíbrio e do amor. Uma ética capaz de entender que as relações são muito mais do que uma simples experiência terrena. Uma ética capaz de sensibilizar e ampliar o pensamento, fazendo-nos compreender e sentir que a existência humana e seus significados estão justamente nos afetos que construímos e nos corações que conseguimos acessar, metamorfoseando as lembranças num ciclo infinito de vida. 

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