Colunistas

Publicado: Sábado, 8 de agosto de 2015

A cabeça

A cabeça
Escultura de Modigliani

Fui encontrado só cabeça, no meio da praça. Quando me olhou, o morador de rua deu um salto cômico, com os olhos arregalados. Eu ri. Ele deu um grito e saiu correndo. Minutos depois voltou com dois policiais que ficaram me olhando com os lábios pressionados e meneando a cabeça. Em menos de dez minutos já eram centenas de pessoas à minha volta. Um pastor oportunista aproveitou para disparar folhetos sobre a emergência de seguir os ensinamentos de Deus em Deuteronômio. Uma gorda, pálida e na ponta dos pés para me ver, desabafava: "Certeza que traiu a mulher... Mereceu!". O rapaz, bem atrás do policial, sacou o celular e tentava me enquadrar aproveitando a luz. Enquanto eu sorria para a foto, percebi ela chegando e espalhando, histérica, os populares. Ajoelhou-se em frente à minha cabeça, chorou e vomitou ao meu lado. Foi presa mais tarde. A gorda murmurou: "Eu sabia! Capaz da trouxa ainda perdoar". Os românticos saíram dizendo que perdi meu coração. Os realistas diziam que perdi a cabeça.

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